Todos se referem ao povo.
Alguns se dirigem e saúdam o povo.
Outros dizem que são eles que falam com o povo e pelo povo.
A mídia diz captar o interesse e posicionamento do povo.
Para Abraham Lincoln, a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo.
A nossa Constituição dispõe que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, ...".
Quem não se utilizou das expressões como "vontade do povo", "interesse do povo", "desejos do povo"...?
Mas, afinal, no que consiste o povo?
É, ou não, uma personagem real?
Se é do povo que emana todo o poder, como identificá-lo para evitar a usurpação desse poder?
A soberania do povo é absoluta?
Na Alemanha nazista, a maioria do povo alemão apoiou Hitler.
Este, quer queira ou não, teve apoio popular.
O mesmo ocorreu com Stalin e Mussolini.
Pode-se explicar esse apoio recorrendo ao terror e manipulações dos regimes.
Mesmo assim, continua o fato de ter havido apoio popular.
Na Convenção de Filadélfia, quando da elaboração da Constituição norte-americana de 1787, referiu-se várias vezes ao povo.
Está no preâmbulo dessa Constituição: "Nós, o Povo dos Estados Unidos, ... estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América".
Nas discussões de Filadélfia não houve menção aos escravos!
Não eram povo?
A Revolução Francesa, após referir-se à nação, retornou ao uso da expressão povo.
A plebe passou a ser o povo, onde não se incluíam os padres, os nobres e a burguesia.
Diante de tudo isso, percebe-se, e é certo, que a palavra povo não tem nenhuma correspondência com a realidade.
É conceito com vários significados.
Para os marxistas, o povo é a classe operária, que seria a base da utópica sociedade sem classes.
Para o direito eleitoral, o povo se identifica como povo ativo, aqueles que podem votar (eleitores).
Não se confunde com a população.
No regime representativo, diz-se que os governantes e parlamentares são eleitos pelo povo.
Na verdade, a eleição se dá, no sistema majoritário, pela maioria dos eleitores (povo ativo) que compareceram à eleição e não votaram em branco.
E, no sistema proporcional, de acordo com regras que o assegurem.
Como sabemos que um sistema eleitoral assegura a representação e não seja mera engenharia eleitoral de manipulação?
Se não conseguimos identificar o que a palavra povo significa e abrange, que condições temos para avaliar um sistema eleitoral?
Creio que só no processo histórico de erros e acertos.
A própria história trata de evidenciar as inconformidades do sistema, exigindo novos ajustes, e assim, sucessivamente.
Artigo
Nelson Jobim: o povo?
Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
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