Menos do que um conflito institucional entre poderes da República, o que se constata nas sucessivas retaliações e trocas de farpas registradas nos últimos dias, envolvendo procuradores da República, juízes, ministros do Supremo e parlamentares, é um duelo de vaidades e excessos de ambas as partes. Ainda assim, a questão não pode ser minimizada, pois envolve também o combate à corrupção, a Operação Lava-Jato, a revisão de práticas políticas danosas à nação e o respeito às instituições democráticas.
Ao encaminhar ao Congresso a iniciativa popular das 10 medidas de combate à corrupção, o Ministério Público Federal, por meio dos procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato, fez pressão pública sobre os parlamentares para que não alterassem o projeto. A reação, especialmente por parte de políticos mencionados na investigação, foi igualmente desproporcional. Primeiro, a Câmara descaracterizou completamente a legislação original. Depois, o presidente do Senado assumiu o comando da retaliação, desengavetando projeto que criminaliza o abuso de autoridade e que poderia restringir a atuação de juízes, procuradores e até mesmo da Polícia Federal.
Seguiram-se acusações mútuas entre integrantes do MP e parlamentares, e o Supremo entrou no conflito. Provocado por uma ação da Rede Sustentabilidade, o ministro Marco Aurélio Melo, em decisão monocrática, ordenou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. O senador alagoano simplesmente desconheceu a notificação, desrespeitou a decisão liminar e recebeu o apoio de seus pares. Numa tentativa de atenuar o litígio, o STF reuniu-se às pressas e suspendeu parcialmente o efeito da medida do ministro Marco Aurélio, mantendo Renan Calheiros no cargo, sob o pretexto de assegurar a harmonia entre os poderes e garantir o andamento das reformas econômicas encaminhadas pelo governo.
Quando a paz parecia encaminhada, Renan Calheiros insistiu na aprovação de medidas indigestas para juízes e procuradores, o projeto do abuso de autoridade e outro que restringe o pagamento de salários acima do teto constitucional. Ainda que ambas as matérias sejam de interesse da nação, o momento para a apreciação desses temas é completamente inoportuno pelas razões expostas acima. Por fim, para complicar ainda mais a situação, o ministro Luiz Fux determinou, também em decisão monocrática, que o projeto das medidas de combate à corrupção retorne à Câmara para ser reavaliado, interferindo estranhamente na atividade legislativa.
Em meio a essa verdadeira guerra de retaliações, o Supremo ainda teve que enfrentar fogo amigo, pois o ministro Gilmar Mendes disparou sua metralhadora giratória contra Marco Aurélio ("merece um impeachment") e contra a decisão de Fux ("É um AI-5 do Judiciário").
Assim está a República, com o presidente, ministros, lideranças do Congresso e vários políticos citados por delatores da Lava-Jato como beneficiários de propinas, ministros do STF expondo suas diferenças publicamente e procuradores do MP assumindo protagonismo excessivo. Para colocar ordem nessa babel, o país precisa, urgentemente, de lideranças sensatas que saibam administrar o conflito de egos das ilustres autoridades e tenham legitimidade para legislar e julgar nos fóruns adequados.