Em tempos de empreendedorismo entrando na agenda das eleições municipais, sigo me impressionando ao ouvir as mesmas falácias que, há anos, algumas organizações difundem.
A primeira, que já discuti aqui, é que o propósito do empreendedorismo é gerar empregos. Estamos no século 21, e o conceito de emprego está em franco declínio no mundo todo. A inovação acontece em pequenas organizações altamente disruptivas. É hora de nos perguntarmos: a quem interessa manter no Brasil uma cultura de empregabilidade em detrimento de uma cultura de autonomia pessoal? Aos grandes empregadores, que financiam organizações que promovem o que chamam de empreendedorismo, mas que, na verdade, é empregabilidade.
A segunda falácia é que o propósito de um ecossistema de empreendedorismo é "gerar o próximo Facebook". Antes de tudo, temos que nos conscientizar de que as próximas organizações que transformarão este planeta tão profundamente quanto o Facebook vão ser bem diferentes dele. Provavelmente, não serão rupturas no setor de mídia, nem terão sua origem na Califórnia, visto que a disputa por talentos de grandes empresas como o próprio Facebook tem dificultado o florescimento de inovações por lá, abrindo espaço para novos territórios nos Estados Unidos e no mundo. Não sabemos sequer se essas grandes inovações darão origem a corporações cotadas em bolsa, como é o caso da empresa fundada por Zuckerberg.
Ainda podemos nos questionar se o Facebook é bom ou ruim para a humanidade. Há grande controvérsia. Minha percepção é até positiva a esse respeito, mas entendo que o Missouri, por exemplo, tem mais a se orgulhar por ser a terra da Open Source Ecology, uma organização que disponibiliza projetos abertos para quem quiser construir as 50 máquinas mais importantes para o florescimento da civilização, do que a Califórnia tem a se orgulhar pelo Facebook. O próprio Vale do Silício já produziu um balaio de organizações transformadoras muito mais interessantes do que o Facebook.
A terceira falácia é que diminuir o tempo médio de abertura de empresas é fator determinante para o florescimento do empreendedorismo inovador em um determinado município. Esse indicador foi criado há décadas como uma medida proxy para entender a saúde do ambiente de negócios em um determinado local. É como medir a febre de um paciente com uma grave doença infecciosa. Reduzir essa febre é importante em alguma medida, mas não resolve o problema.
Burocracia está longe de ser a barreira número 1 dos empreendedores realmente inovadores. Trata-se de uma preocupação prevalente para empresários um pouco mais tradicionais, como donos de restaurante com problemas sanitários. A verdade é que cultura de inovação em um território tem muito mais a ver com o paradigma de sucesso vigente nele, com o padrão de interação entre diferentes atores, com a disponibilidade de capital humano, entre outros fatores.