Continuemos com o Projeto de Lei 4.850/16 (PL) e suas perplexidades.
Vejamos mais uma das hipóteses de exclusão de ilicitude de prova.
Diz o PL que será excluída da ilicitude (= lícita) toda prova quando "não evidenciado o nexo de causalidade com as ilícitas".
Essa previsão não diz respeito, por óbvio, com provas absolutamente lícitas.
O que quer o PL é que uma prova, que tenha relação com uma prova ilícita, possa ser excluída da ilicitude.
A condição é que não seja "evidenciado o nexo de causalidade" com uma prova ilícita.
Significa que se exige prova que evidencie a existência de tal nexo de causalidade.
Se tal não acontecer, a prova será lícita.
[Em português, "evidência" refere a algo que "não dá margem à dúvidas". Não se pretenda usar essa expressão como na língua inglesa, em que significa prova. Como estamos tratando de direito brasileiro, o sentido da linguagem deve ser o nosso, e não o estrangeiro.]
Quem terá que provar ou demonstrar a o nexo de causalidade?
Não se poderá exigir do acusador a prova de fato negativo – não haver evidente nexo de causalidade.
Será, assim, ônus da defesa ao sustentar que a prova tem origem em prova ilícita.
E, se a investigação não trouxer aos autos – ocultou – a prova ilícita, origem da prova derivada?
Como fazer?
[Essa prática não é incomum. P. ex., quando uma investigação conhece de determinado fato através de uma interceptação telefônica não autorizada e afirma, nos autos, que a origem é uma denúncia anônima!]
Mas o projeto vai mais longe.
Diz que se exclui da ilicitude se as provas "derivadas puderem ser obtidas de uma fonte independente das primeiras (provas ilícitas), assim entendida aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova".
Assim, não basta ter sido evidenciado o nexo de causalidade com a prova ilícita.
Mesmo evidenciado o nexo, a prova derivada será excluída da ilicitude se tiver a possibilidade ("puderem" e "seria capaz", linguagem do PL) ser "obtida de fonte independente".
Eis o raciocínio:
1) a prova derivada tem, por outra elemento de prova, "evidenciado" o nexo causalidade com prova ilícita;
2) tal prova poderia ser "obtida de uma fonte independente" da prova ilícita, seguindo os ritos normais de investigação;
3) logo, tal prova ficará excluída da ilicitude.
Curioso.
A prova tem origem em prova ilícita.
Não é contaminada pela ilicitude de sua fonte, se ela puder ser "obtida de fonte independente".
Não que tenha sido, de fato, obtida de fonte independente, mas que tenha a mera possibilidade de ser assim obtida.
A sua origem é a prova ilícita.
Pela mera possibilidade de ter outra origem que não teve, passa a ser lícita!
É esse o estado de direito que queremos?