Os gregos do século 5 a.C. legaram à cultura ocidental fundamentos filosóficos, textos teatrais e conceitos civilizatórios ainda insuperáveis. Michel Foucault, em ciclo de palestras proferido em Berkeley, no já longínquo ano de 1983, iluminou um dos temas estruturantes da sociedade grega, a "parrésia".
Parrésia quer dizer, literalmente, "correr o risco de dizer a verdade, se arriscar a dizer algo pelo bem comum". Não se refere a crenças pessoais ou verdades comprovadas e aceitas por todos. Não. Para os gregos, quem tinha convicção do que dizia, precisava se arriscar a dizê-lo; o dizer helênico era, ao mesmo tempo, risco, liberdade e dever. Parrésia, assim, é o contrário da hipocrisia e da dissimulação. Como aprendi com Bernardo Carvalho, "está associada ao orador que, num debate político, corre o risco de perder popularidade por se opor à opinião da maioria". É o oposto da demagogia e do populismo.
Não é preciso ser o gênio da lâmpada para afirmar que falta parrésia no discurso dos nossos políticos. Falta sinceridade ao lidar com os graves problemas que caracterizam o Brasil. A proximidade das eleições municipais é oportunidade para debatermos nosso presente deletério e legados estratégicos para um futuro melhor. A escolha dos candidatos é essencial. É preciso ouvi-los, confrontar promessas, separar joio e trigo, não passar cheque em branco em nenhuma hipótese. É preciso escolher certo. Hoje. Agora. Na urna.
Enquanto misturo gregos e eleições municipais, escuto dois discos incríveis: Old friends, que junta Tuco Marcondes e Ritchie (sim, ele mesmo!) com um trio da pesada: Fabio Tagliaferri, Mario Manga e Swami Jr., interpretando canções de Paul Simon. O segundo é Xangai, o mais bonito disco brasileiro do ano. Voz e violão. Repertório raro, artista excepcional. Cantando Florbela Espanca, Xangai roça o céu e nos revela emoções silentes, doloridas e encantatórias.
Se pudesse viajar de volta à Grécia clássica, eu levaria esses CDs na mochila.