Nesta altura é oportuno lembrarmos conceitos estabelecidos por Giorgio Agamben que acentuam as diferenças entre legalidade e legitimidade. Se a crise que atravessa nossa sociedade é tão grave, é porque, primeiro, perdemos a consciência dessas diferenças e, segundo, porque a crise não só questiona a legalidade das instituições como também a legitimidade delas.
As instituições atuais não se encontram deslegitimadas porque caíram na ilegalidade, mas, pelo contrário, a ilegalidade está tão difundida e generalizada porque os poderosos perderam a consciência e a necessidade de sua legitimidade.
E Agamben avisa ser inútil enfrentar a crise social através da ação do poder judicial, embora este seja necessário. A crise que golpeia a legitimidade não pode ser resolvida exclusivamente no plano das leis vigentes. E a hipertrofia do direito que pretende legislar sobre tudo e sobre todos pode até ajudar a perdermos a legitimidade fundamental por excessos de legalidades formais. A tentativa da modernidade de fazer coincidir legalidade e legitimidade, buscando assegurar pelo direito positivo a legitimidade de um poder, é absolutamente frustrante, como prova o processo de decadência de nossas instituições democráticas. O "livrinho" pode ditar regras, mas não legitima ninguém e nada.
Na perspectiva da ideologia liberal dominante, o falso paradigma do mercado dito autorregulado substituiu a justiça e afirma que é possível governar uma sociedade cada vez mais ingovernável segundo critérios exclusivamente técnicos. A sociedade só pode funcionar se a justiça não for uma mera ideia, impotente diante de um mercado cruelmente desregulado que não leva em conta as contingências sociais, emparedadas num plano técnico-econômico, incapaz de equilibrar os princípios coordenados, mas radicalmente heterogêneos, princípios da legitimidade e legalidade os quais constituem um dos patrimônios mais valiosos estabelecidos pela Revolução Francesa.
O resultado final das Mani Pulite na Itália foi de ordem legal, mas não inteiramente legítimo. Isto porque aquelas ações judiciais exigidas e aclamadas pela mídia e pela classe média acabaram por deslegitimar todos os partidos políticos e enfim a democracia italiana acabou parindo a bufoneria berlusconiana fascista.
Hoje ouvimos vozes que fazem campanha para políticos da extrema direita ideológica e combatem movimentos sociais de reivindicação de salários e de posse de terras. Mas, felizmente, nosso midiático Berlusconi não mais cunha suas falsas moedas.