Liderados pelo juiz Sergio Moro, magistrados, procuradores da República e promotores do Ministério Público Estadual do Paraná promoveram na última quinta-feira um ato de repúdio ao projeto de lei de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros, que redefine crimes de abuso de autoridade. Entidades de classe como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) também vêm se manifestando reiteradamente contra o projeto, que muda de forma substancial a responsabilização de autoridades. Moro chegou a afirmar que, em caso de aprovação do PLS 280/16, que tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR), as investigações contra poderosos serão barradas. Juízes e promotores interpretam o exame parlamentar da matéria como um contra-ataque dos políticos que tentam se livrar das investigações da Operação Lava-Jato – principalmente porque tanto o autor do texto quanto o relator estão entre os investigados.
Realmente, não deixa de ser intrigante que um projeto engavetado desde 2009 tenha voltado a tramitar exatamente no momento em que se trava uma verdadeira disputa de poder entre autoridades políticas e judiciárias, com vários parlamentares sob suspeita de corrupção e um pedido de impeachment contra o procurador-geral da República nas mãos do presidente do Senado. O texto prevê o enquadramento de comportamentos abusivos de delegados, promotores, membros do Ministério Público, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores, prevendo penas de até quatro anos de prisão e multa, além da perda de função da autoridade em caso de reincidência. Considera abuso de autoridade situações como ordenar prisão "fora das hipóteses legais", recolher ilegalmente alguém a carceragem policial, deixar de conceder liberdade provisória quando a lei admitir e prorrogar a execução de prisões temporárias. Também estabelece como crime ofender a intimidade de pessoas indiciadas, constranger alguém sob ameaça de prisão a depor sobre fatos que possam incriminá-lo, submeter o preso a algemas quando desnecessário e interceptar conversas telefônicas ou fazer escuta ambiental sem autorização.
Algumas dessas situações assemelham-se muito a ações da Operação Lava-Jato, aprovada majoritariamente pelos brasileiros pela sua eficácia contra a corrupção e contra as deformações da política. Mas o projeto em exame no Senado também contém elementos que os cidadãos certamente aprovariam, entre os quais a responsabilização pessoal do agente público que prejudica alguém, infringindo a lei ou errando deliberadamente, mesmo sabendo da inocência da vítima. Atualmente, quem responde pelo erro é o poder público e, em caso de indenização, pagam o erário e os contribuintes. Essa é uma correção que se impõe.
Entre o abuso e a impunidade, tem que haver um meio-termo que garanta aos cidadãos os mesmos direitos reivindicados pelas autoridades.