Em artigo recentemente publicado na Zero Hora, o deputado estadual Marcel van Hattem (PP/RS) discorre sobre o movimento de ocupação das escolas públicas no Rio Grande do Sul, indagando-se "de quem é a culpa?". Para ele, as escolas estão sendo "tomadas" por "invasores" cujos movimentos são orquestrados pela "batuta de sindicatos e partidos de esquerda".
Diante de um modelo de manifestação social que causa espanto para um político da extrema-direita, o deputado sugere que "a culpa é nossa", valendo-se da primeira pessoa do plural para agregar nela um grupo heterogêneo de indivíduos. Fazem parte dele professores e jornalistas adeptos de "princípios e valores de liberdade e moralidade", políticos distantes de posições da esquerda, estudantes universitários apenas preocupados em se formar e desinteressados em atuar nos centros acadêmicos, empresários que abandonaram o livre-mercado para mancomunarem com o governo. A culpa é de todos eles, que, segundo o texto permite entender, parecem não acreditar que o mundo "se divide em classes, cores e crenças", defensores da verdade e da moral absolutas, protetores das liberdades individuais e dos valores que "sustentam a civilização".
A proposta do deputado é bastante clara para qualquer leitor mediano: o fato das escolas terem sido ocupadas se deve apenas à omissão dolosa daqueles que são os verdadeiros culpados pela situação. Em outras palavras, ao falar de "culpa" e projetá-la para outros agentes que não os próprios alunos e alunas que atuam no movimento, Marcel van Hattem realiza um duplo gesto: de um lado, trata a situação como se fosse um dano social ou, pior, um crime político; de outro, procura retirar o protagonismo dos verdadeiros atores políticos que estão nas escolas em defesa da qualidade e da dignidade da educação. A ocupação seria, portanto, um ato condenável que se dá na forma de uma concessão daquele "nós" que permitiu que se chegasse a este ponto.
Ora, nada mais enganoso! Propagador da ideologia da "Escola sem partido", cujo objetivo é coibir a liberdade de ensino e da divulgação do pensamento, previstos na Constituição, o deputado que também se apresenta como cientista político parece desconhecer justamente aquilo que confere a legitimidade deste movimento: ele não depende de sindicatos ou de partidos. Trata-se de outra forma de organização política, construída no interior das escolas, que implica modos distintos de atuação e que se faz cotidianamente na própria experiência da ocupação. Alunos e alunas são os narradores e atores principais deste enredo.
Além disso, as escolas não foram tomadas ou invadidas, elas estão sendo ocupadas em função das condições inaceitáveis em que muitas delas se encontram, em razão do desrespeito cometido diariamente contra estudantes e professores da rede pública de ensino. Um desrespeito que, nesse sentido, se estende à sociedade como um todo. Para esta situação o deputado teria todo o direito de se considerar entre os culpados, mas o mérito das ocupações é todo daqueles jovens que, mais do que ocuparem os espaços escolares, estão também ocupando um lugar na história.