Superada a tentativa de emplacar a tese do "golpe", tanto no Brasil quanto no Exterior, o novo governo de Michel Temer enfrenta ecos, ruídos e roncos daqueles que sentem-se órfãos do lulopetismo, de um lado, e desconfortáveis com a continuidade do toma-lá, dá-cá, de outro. Enquanto o mercado encanta-se com os nomes anunciados para a equipe econômica, para a presidência do BNDES, para a liderança da Petrobras, Temer enfrenta sem número de descontentes vocalizadores de ecos e ruídos diversos.
O toma-lá dá-cá de seu Ministério, a escolha de um aliado de Cunha para liderar o governo na Câmara, os investigados que compõem o núcleo duro de governo que tenta reestabelecer a confiança a fazer as pazes com a população brasileira sem dúvida incomoda. Os mais conformistas, ou realistas, argumentam – corretamente – que a forma de se fazer política não muda da noite para o dia. Os inconformados ventilam o seu desconforto de formas variadas. Uma que tenho presenciado é a tese de que a agenda de reformas que está sendo debatida pelo governo de Temer não é a que ganhou as eleições.
A tese é curiosa. No mínimo, levanta a pergunta: qual teria sido a agenda que ganhou as eleições? Francamente, não me recordo de qualquer agenda proposta por Dilma Rousseff durante a campanha de 2014. Lembro-me da forma como a presidente afastada achincalhou Marina Silva, com mentiras deslavadas sobre suas propostas. A mais indecente foi a de que a independência do Banco Central tiraria comida dos pratos dos brasileiros. Lembro-me, também, da insistência da presidente suspensa em dizer que o governo FHC havia quebrado o Brasil três vezes, em referência tácita aos programas com o FMI que o governo brasileiro negociou, inclusive em 2003 em razão da crise provocada pelo Lula guerreiro que viria a se transformar em Lulinha Paz e Amor sob a égide do próprio FMI.
Dilma foi afastada do cargo em 12 de maio. Pouco mais de uma semana depois de seu afastamento, a nova equipe econômica tenta dar dimensão ao tamanho da destruição por ela provocada. Até a publicação desse artigo, foram sucessivas as revisões do tamanho do rombo primário nas contas públicas – aquele que exclui do cálculo as despesas com os juros sobre a dívida pública. Até agora, o único consenso possível foi o de que, nas palavras do novo Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, "a economia está pior do que se esperava". O governo suspenso trabalhava com uma estimativa de rombo fiscal para esse ano de R$ 96 bilhões, ou pouco menos de 2% do PIB. Na segunda-feira, dia 16, essa estimativa havia aumentado para R$ 120 bilhões. Na terça, o governo já falava em R$ 150 bilhões, na quarta em R$ 160 bilhões. Chegamos ao final da semana com a conclusão de que o estrago feito nas contas públicas brasileiras talvez tenha sido de mais de R$ 200 bilhões, ou 4% do PIB. Reflitamos sobre esse número: R$ 200 bilhões. Por certo, essa agenda jamais ganharia eleição alguma.
Os destroços de Dilma incluem os 11 milhões de desempregados que aí estão, sem perspectiva; a débâcle da Petrobras e da Eletrobras, que recentemente teve as negociações de suas ações suspensas no pregão de Nova York; rombos de tamanho desconhecido na Caixa Econômica Federal, além de em outras empresas estatais; PIB em queda livre; inflação próxima de 10% ao ano. Não posso imaginar que tenha sido essa a agenda que venceu as eleições de 2014.
O que fazer? Tenho defendido que, nas atuais condições catastróficas da economia brasileira, não há ajuste fiscal possível no curto prazo. Ou seja, já não mais se trata de discussão sobre aumentos de impostos ou cortes de gastos que possam reduzir o estrepitoso déficit deixado pela presidente afastada. Parece-me que o caminho melhor seria revelar os estragos à sociedade brasileira e formular uma agenda de medidas de médio prazo para consertar aos poucos o que foi destruído. Tal agenda inclui o fortalecimento das instituições que fundamentam a política fiscal, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, além da aprovação de emendas constitucionais que tornem o orçamento exequível. Só assim terá Temer as chances de conquistar o que tenho chamado de "legitimidade por desempenho", isto é, a pacificação de parte da sociedade que, descontente com o processo de impeachment e com o que tem visto na política brasileira, ainda assim almeja um país onde a esperança possa voltar a ser a tônica do cotidiano, substituindo a raiva e o rancor.
Torço para que Temer tenha não apenas a sagacidade política, mas também a sensibilidade para reconhecer nos ecos e ruídos desconjuntados, às vezes ilógicos e absurdos, o desejo de muitos em voltar a acreditar no Brasil. Ou, como disse o saudoso Eduardo Campos, o desejo de não desistir do Brasil.