Ao permitir a prisão de qualquer cidadão brasileiro após o julgamento em segundo grau de jurisdição, o Supremo Tribunal Federal, por sete votos contra quatro, descumpriu a Constituição que deveria defender. Ela já vinha morrendo, aos poucos, todos os dias.
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Isso é o que se lê no art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Pela decisão do STF, qualquer cidadão não apenas será culpado, mas também preso, antes do trânsito em julgado, mesmo sem necessidade processual. Ao permitir a prisão, sem motivação cautelar, antes do trânsito em julgado, o STF implodirá o sistema prisional já falido, bem como implodirá a sua própria prestação jurisdicional e arruinará o ideário democrático da Constituição Federal de 1988.
Vivemos uma crise sem precedentes do Executivo, que já não governa. Vivemos uma crise sem precedentes do Legislativo, engolfado pelos casos de corrupção e pela criminalização da política, inclusive de inocentes, fatos que o paralisam e o tornam inerte. Agora, pois, vemos o assassinato de um princípio fundamental da Constituição Federal por parte de quem deveria defendê-la. E isso se fez em nome do clamor popular. A Constituição Alemã de Weimar também morreu pelas mãos do povo e pelas mãos do povo Hitler se elegeu. Pelas mãos do povo ele mudou a Constituição e pelas mãos do povo assumiu poderes totais. Foi o povo.
A diferença entre a democracia e a ditadura é justamente a existência de tribunais que garantam a Constituição, mesmo contra a vontade delirante da maioria. Quando isso não mais se pode fazer, quando se argumenta que é preciso atender o povo, o que temos é um princípio de dissolução social. O país está entregue nas mãos do estamento, de que falava Raymundo Faoro. É o estamento que governa, mesmo sem votos, os destinos do Brasil. Foi esse estamento que fez lobby para que prosperasse a decisão do Supremo Tribunal Federal. Logo, o estamento poderá tudo, com o aplauso do povo, que terá cada vez menos direitos ante o Estado. E a nós, o que nos resta é lutar pelos fiapos de direitos de nossa Constituição moribunda, que herdamos de nossos pais.