- E quanto a nós? - questiona o editor do grupo de investigação Spotlight, Walter Robinson, em uma das reuniões derradeiras antes da publicação da reportagem que desvelou um escândalo de pedofilia na Igreja Católica.
Robinson rebatia a incredulidade de colegas que recém haviam concluído o impensável: os casos de padres que abusavam de crianças não eram desconhecidos pela instituição. Eram, na realidade, encobertos pelo cardeal de Boston.
Essa cena está em Spotlight - Segredos Revelados, filme sobre a investigação do jornal The Boston Globe que lançou luzes ao esparramo. É minha passagem preferida: o momento em que Robinson assume a própria responsabilidade na história que estava prestes a revelar.
O filme escancara que autoridades - policiais, advogados e diretores de escolas - faziam vista grossa ao que ocorria entre padres e crianças. E o próprio The Boston Globe também.
Em 2002, após a investigação, o jornal estampou a manchete "Igreja permitiu o abuso por padres durante anos". Só que, em 1993, um advogado enviara à redação uma lista com os nomes de 20 padres envolvidos em pedofilia. O The Boston Globe publicou uma matéria na editoria de Cidade (cujo editor, à época, era o próprio Robinson) sem aprofundamento algum - depois, enterrou a denúncia. Ninguém lembrava do documento nove anos depois. Nem Robinson.
Pensando nessa cena, fiz uma visita à minha limpa consciência - como jornalista, mas também como cidadã. E a encontrei um pouco encardida.
Lembrei-me das tantas irregularidades nas quais tropeçamos, mas sobre as quais preferimos saltar e seguir viagem: o deputado que todo mundo sabe estar envolvido em falcatruas (mas nada se faz para comprovar); o vendedor ambulante que todo dia vende drogas na sinaleira (mas nunca ninguém acionou a polícia); o namorado da amiga que em toda briga a agride (mas jamais foi denunciado).
Por que essa dificuldade em assumir a própria responsabilidade?
Um amigo me deu a resposta que soou mais plausível: não compreendemos nosso papel na democracia. Ao invés de participação e cidadania, optamos pela espera. Ao invés de agir, aguardamos que um órgão maior veja o que nós já vimos. Em vez de fazer algo pelo outro, optamos pelo cada um por si.
Antes tarde do que nunca, ensina o The Boston Globe.