Ao descrever a experiência de uma colisão em uma autoestrada, a psicanalista Maria Rita Kehl tematiza, no livro O tempo e o cão, a depressão como um sintoma social, vinculada aos efeitos da aceleração ou da nossa relação subjetiva com o tempo na contemporaneidade. Premidos pela necessidade de produção e urgência, acabamos por provocar alguns atropelamentos, simbólicos ou não, que podem afetar tanto nosso corpo quanto nossa vida psíquica. Assim, a "banal velocidade da vida" nos leva a percepções instantâneas às quais reagimos, de maneira imediata, para, em seguida, esquecê-las.
Refletindo, também, acerca da valorização do presente, o escritor moçambicano Mia Couto, em um de seus ensaios, escreve sobre "dar um tempo ao futuro". Para ele, o prazer ou a expressão imediata dos desejos roubaram-nos a crença no porvir. Estaríamos na época do "depressa e muito", iludidos pelas ideias de grandeza e velocidade. Por consequência, o resultado de viver exclusivamente no presente é a desvalorização do futuro.
Em períodos de final de ano, no entanto, é comum ocorrer uma curiosa subversão temporal. Ao contrário da habitual experiência instantânea, dezembro marca, em geral, um duplo olhar orientado: para o passado e para o futuro. Assistimos a todas as retrospectivas e projetamos com otimismo, o ano novo - mesmo sabendo, intimamente, que não há nada mais velho que um ano novo. Assim, esse momento talvez seja o único período do ano em que deixamos, um pouco, o presente de lado.
De fato, é preciso dar mais tempo ao futuro. Isso significa sacrificar o imediatismo do presente. Para os jovens, por exemplo, a mensagem de que o futuro não vale a pena impulsiona o desejo do hoje e do agora e, por esse motivo, cometem-se os atropelamentos simbólicos dos quais nos arrependeremos depois. Quem sabe o ano novo seja o momento de aproveitar para olhar adiante e retomar a crença no futuro, entendendo que o tempo está menos no calendário e mais em nós mesmos? Aí, sim, teremos um feliz 2016!