O jornalista Cláudio Abramo dizia que o Brasil é um país de grandes e pequenos canalhas. Apesar dos pequenos serem igualmente devastadores para o país, ultimamente andamos mais ocupados com os grandes. O Ministério Público Federal investiga hoje 26 mil casos relacionados à corrupção. Todos canalhas graúdos. São tantos, que não sobra tempo nem para um puxão de orelha ou um cascudo nos pequenos.
O telefone toca no meio do dia ou da noite, em pleno final de semana: "Não, eu não quero mais um cartão de crédito nem preciso de uma esteira motorizada".
Adianta dizer não?
Não.
O que fazer quando "A" vende para "B" seu endereço, CPF e telefone? Nada. É praticamente impossível sair das malditas mailing-lists negociadas sem autorização, é impossível cancelar qualquer tipo de serviço em nossa república de espertalhões. Experimente, por exemplo, cancelar a linha telefônica ou o serviço de TV a cabo. Claro que você já passou por esse calvário. Você assina qualquer coisa online em poucos minutos, o serviço funciona com eficácia de primeiro mundo, mas tente cancelar. Você vai experimentar um suplício digno do "Inferno" de Dante, aliás, território bem conhecido do consumidor brasileiro. Este, por sua vez, esperneia, mas não se mobiliza "porque não adianta, não vai dar em nada" e... "desce mais uma!".
A verdade é que, enquanto essas empresas desconsideram olimpicamente a lei, o consumidor, sempre que pode, faz o mesmo. Juntos, pequenos e grandes canalhas, são responsáveis pelo Custo Brasil.
E o telefone toca outra vez. A moça do outro lado que fala em nome de uma empresa de telecobrança de Barueri ou Carapicuiba, insiste em cobrar por um serviço que não utilizei. E ainda avisa: "essa ligação será gravada para a sua segurança"!
Minha segurança? Por favor minha jovem, não me provoque!!
As operadoras de telefonia foram multadas em R$ 600 milhões por mau atendimento, mas é mais fácil que o seu ou o meu nome terminem no pau por uma cobrança indevida do que essa multa ser paga. Ela provavelmente vai desaparecer por obra de algum facilitador oficial. O código de defesa do consumidor do Brasil é dos mais completos e, ao mesmo tempo, um forte candidato à categoria "leis que não valem", como a proibição de falar no celular ao volante, respeitar faixa de pedestres, a lei do silêncio, fique à vontade para aumentar a lista, que só perde para a de pequenos golpes e golpistas: balas como troco, a comanda perdida versus a consumação mínima, pagamentos antecipados que não são ressarcidos em casos de desistência, compras online impossíveis de devolver ou trocar e até Don Juans que exploram a boa fé e o bolso de mulheres solitárias em romances online! E isso sem entrar na categoria serviços informais e compulsorios como flanelinhas, cambistas, e os sempre assutadores limpa-parabrisas de sinal.
São os pequenos canalhas em ação.
- O problema é seu, não é de ninguém! Como diria o manobrista do estacionamento apontando para a placa: "Não somos responsáveis por danos ou pertences deixados nos veículos". Outro abuso: o fornecedor que não garante a segurança do serviço pelo qual cobra.
* O Tio Alvinho era um homem que acreditava em caráter, em palavra dada e em coisas bem-feitas. Detestava os que falavam sem olhar olho-no-olho e os que estendiam a mão frouxa e molenga na hora de cumprimentar. Tinha um enorme coração, mas virava fera quando farejava mentiras e trapaças. Uma vez, ladrões de gado invadiram a sua fazenda e mataram a sua melhor vaca de leite. Tio Alvinho ficou muito incomodado, montou o cavalo e foi até a cidade prestar queixa. O delegado, homem novo na cidade, prometeu tomar providências naquele mesmo dia. Semanas depois, os ladrões voltaram e roubaram duas ovelhas. Tio Alvinho pensou bastante antes de fazer o que tinha que fazer. Então, reuniu uns peões de confiança e saiu no encalço dos ladrões. Tempos depois, o jovem delegado foi acordado por um alvoroço na cidade. Tio Alvinho o esperava com os três ladrões, atados que nem salame, presos por um laço ao poste do telégrafo. A estória correu ligeiro, nas rodas de fogo e nos bolichos de beira de estrada. Quando perguntado porque fizera aquilo, Tio Alvinho respondeu que, quando a autoridade não cumpre com a sua obrigação, corre-se o risco de que alguém assuma o seu lugar.
Um dia Tio Alvinho precisou viajar até Porto Alegre com dinheiro vivo de uma venda de gado para depositar no Banco da Província. Antes de embarcar, ele ouvira muitas advertências sobre os vigaristas e espertalhões que abordavam os viajantes na estação rodoviária da Capital, aplicando golpes e depenando os incautos e desprevenidos. Mas, certamente, não era o caso do Tio Alvinho. Ele tinha a guaiaca empanturrada de mil-réis, mas o seu 38 niquelado estava na dobra do pala de seda. Quando desembarcou na rodoviária, vestindo bombachas pretas, de chapelão e pala no pescoço, a primeira coisa que fez foi acender um palheiro. Foi o tempo para que uma figura bem trajada e bem falante chegasse, pedindo por fogo. Tio Alvinho olhou demoradamente para o intruso, se afastou uns passos e disse que não tinha fogo. Mas o sorridente malandro insistiu, apontando para o palheiro aceso. Com gestos pausados, o tio Alvinho engatilhou o 38, enfiou o cigarro no cano e falou, olhando dentro dos olhos do homem:
"Aqui está o fogo, o amigo pode se servir à vontade".
*trecho das memórias de J.A.Moraes de Oliveira, meu pai.