Alegrete não brinca com a poesia. Poetas simbolistas da primeira metade do século 20, daqueles que desejavam morrer de amor, Alegrete tinha aos montes. Tão autênticos, que morriam mesmo dos sentimentos que transbordavam em seus versos.
Dionísio Gonçalves Vilarinho é o mais famoso deles. Vou contar, do meu jeito, muito resumidamente, a história de Dionísio, só como provocação para quem quiser saber mais. Os que desejarem a história completa, bem contada, que leiam o livro de crônicas Viva o Alegrete - Histórias da Fronteira (L&PM, 100 páginas), que Sergio Faraco relança hoje, às 18, na Feira.
A história de Dionísio é Shakespeare na Campanha gaúcha. Era piauiense de Amarante e servia como sargento na 10ª Circunscrição de Recrutamento do Alegrete. Ganhou fama como poeta na cidade dos poetas e logo conquistou o amor de uma moça, a bela Cleide Ferreira Sanchotene.
Em um dia de 1947, Dionísio pede Cleide em casamento. E dá-se então a sequência de tragédias. Ela diz ao amado que não pode se casar e conta-lhe um segredo. Dias depois, conta-lhe um segundo segredo devastador. É um sábado.
O poeta vai embora transtornado. Cleide toma um vidro de arsênico e sai cambaleante em direção ao Rio Ibirapuitã. É socorrida e levada ao Hospital de Caridade. Dionísio tenta visitá-la e não consegue. E conta então ao melhor amigo, o poeta Hélio Ricciardi, os segredos da amada que delira no hospital.
Ao meio-dia de segunda-feira, manda chamar Ricciardi à pensão onde mora. O amigo percebe que Dionísio também havia se envenenado. O suicida tenta ditar um soneto derradeiro ao amigo, que não consegue tomar nota, e ele mesmo acaba escrevendo:
Vinte e seis anos, vinte e seis mil passos
à procura de um bem, de uma ilusão,
vinte e seis mil soluços de cansaços,
mil preces, mil pedidos, tudo em vão.
Internado no Hospital Militar, Dionísio morre na quarta-feira. Tinha 26 anos. À tarde, quando é enterrado, chega o cortejo com o corpo de Cleide, 21 anos. Por iniciativa de Ricciardi, os dois estão sepultados lado a lado, no mesmo mausoléu.
Agora, em setembro, proseando com o Faraco na casa dele, eu disse como quem não quer nada: tu poderias finalmente me contar o segredo, pelo menos o primeiro, nem precisa me contar o segundo. Faraco era grande amigo de Ricciardi, que morreu em fevereiro.
Eu ali, diante do maior contista brasileiro, esperando pelo segredo, um só. Faraco ajeitou-se na cadeira, pegou um atalho e desconversou:
- Tu te lembra daquela vez, quando o velho Heráclito...