O Brasil tem uma das maiores taxas de adoção de tecnologia do mundo e somos um povo com alta versatilidade, flexibilidade, imaginação e criatividade. Com esses ingredientes todos, por que então não somos uma potência inovadora? Em termos de inovação, o Brasil fica em 43º lugar entre os 73 países avaliados pela empresa Qualcomm. Somos a sétima economia do mundo, mas São Paulo é apenas o 12º centro de startups de acordo com Business Insider.
Com 25 anos no Vale do Silício, um polo inovador, a minha experiência no Google, uma das empresas mais inovadoras que já existiram, e minha participação no conselho administrativo da BayBrazil, uma instituição da Califórnia que ajuda startups brasileiras, tenho uma boa ideia do que é necessário para inovar. Analisando o Brasil vejo os seguintes desafios:
* Burocracia complicada, ineficiente e cara: esta está enraizada no Brasil onde 13,2% da população é empregada pelo governo contra 6,9% nos EUA. Segundo o Banco Mundial, o Brasil ficou no lugar 126 na facilidade de começar um negócio e de pagar impostos. Em média, são necessários 13 procedimentos e 119 dias para iniciar um negócio no Brasil. Nos EUA, menos de uma semana.
* Impostos inadequados e altos: temos a maior carga tributária entre os países BRICS e 275 mil normas relativas ao pagamento de impostos. Essa complexidade exige que nossas startups contratem um contador e serviços legais gerando um alto custo operacional. Estima-se que, ao abrir uma empresa, gaste-se ao longo do ano pelo menos 67% dos lucros com questões fiscais. Para piorar, a maioria das startups brasileiras é tributada sobre o faturamento em vez do lucro e, como inicialmente elas não possuem nenhum lucro pois investem tudo que podem, terminam tendo que pagar impostos embora ainda estejam sobrevivendo.
* O governo brasileiro tenta incentivar a inovação no país com programas de apoio a startups de tecnologia, como a Startup Brasil. Porém, na minha opinião, se o governo quer realmente ajudar nossas startups, ele deve remover os obstáculos burocráticos e simplificar a tributação pois esses são os maiores desafios de uma startup no Brasil.
* Baixa produtividade: a produtividade do brasileiro é quatro vezes menor do que a do americano e vem piorando continuamente desde 1980. Isso é consequência do baixo nível educacional, falta de mão de obra qualificada, infraestrutura precária e baixo uso de tecnologia. Além disso, os brasileiros só trabalham 220 dias por ano: são 11 feriados nacionais e mais um ou dois municipais, os feriados são emendados com o fim de semana, tem Carnaval, 30 dias de férias A lei exige remuneração adicional para que se trabalhe mais do que 44 horas por semana, pagamento de um 13º salário, fundo de garantia, saúde, transporte, vale refeição etc. Isso tudo eleva o custo do empregado em 70% a mais do que sua remuneração. Assim, a imagem típica do jovem americano trabalhando dia e noite e quase "de graça" em troca de ações da startup que poderá um dia valer milhões, quase não existe no Brasil. É uma pena!
* Leis trabalhistas protecionistas: somos o país do mundo com o maior número de processos trabalhistas, quase 3 milhões! Isso acontece porque a legislação é complicada e protege demais o empregado, gerando a tendência de empregados processarem seus empregadores como forma de ganhar "dinheiro fácil". Isso aumenta ainda mais o custo e o risco das empresas no Brasil.
* Falta de mão de obra qualificada: no Brasil, 63% dos empregadores têm dificuldade em contratar. A média global é 36% de acordo com ManpowerGroup. As empresas de tecnologia tem ainda mais dificuldade, pois produzimos um número insuficiente de profissionais em ciência da computação e engenharia. O sistema educacional é o grande culpado pois apenas 12% dos brasileiros entre 25 e 34 anos têm curso superior. Em comparação, os americanos passam da faixa de 40% e os sul-coreanos, 65%. Além disso, na área de tecnologia, poucos concluem seus cursos: somente 27% dos que iniciam um curso de engenharia no Brasil se formam.
* Baixo risco e curto prazo: para inovar, é preciso arriscar e investir a longo prazo com um retorno que, às vezes, é bastante incerto. Muitos investidores no Brasil têm pouca experiência na área de tecnologia e, tendo que lidar com um ambiente inóspito diariamente, têm dificuldade de investir a longo prazo em negócios de alto risco. Muito cedo, eles tendem a pressionar as startups a focarem no faturamento, em vez da inovação. Assim, inovações que precisam de tempo para terem sucesso não sobrevivem no ambiente brasileiro. Quantos anos demorou para empresas como Google, WhatsApp, Facebook, Amazon mostrarem um faturamento significativo? Muitos! Infelizmente, elas nunca teriam acontecido no Brasil.
* Falta de fundos e bons mentores: o Brasil tem poucos investidores focados em áreas de inovação. Na área de tecnologia, o Brasil possui praticamente quatro investidores significativos: Monashees, Kaszek e eBricks Ventures (Fundo de Venture Capital no qual o Grupo RBS é seu primeiro e maior investidor) e Redpoint eVentures, que, embora estejam fazendo um trabalho excelente provendo capital e ajudando suas startups a enfrentar esses desafios todos, não são suficientes para suprir o mercado. Existe falta de capital! As taxas de juros são altíssimas e empréstimos exigem garantias impossíveis para uma startup típica. Além disso, poucos investidores têm o conhecimento e a experiência necessária para orientar uma startup. Nos EUA em contraste, existe capital em abundância e um número enorme de mentores excelentes orientando varias startups.
Existem outros desafios no Brasil: péssima infraestrutura, formas de pagamento arcaicos, funcionários trocando de emprego frequentemente etc. Porém, eu acredito que os itens acima representam os maiores motivos por que o Brasil inova tão pouco muito embora possua uma das populações mais criativas do mundo. Não tenho dúvida da capacidade de nós, brasileiros. O que falta para criarmos grandes inovações é um ambiente propício dentro do nosso próprio país. Até lá veremos brasileiros envolvidos em grandes inovações, mas no Exterior, como o caso de Eduardo Saverin, cofundador do Facebook, e Mike Krieger, cofundador do Instagram. E como eles, existem muitos outros brilhando fora do Brasil. :-(
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