No Afeganistão e no Paquistão, os hazaras são conhecidos pelo epíteto de "japoneses". É uma maneira de associar os traços fisionômicos mongólicos desse grupo ultraminoritário (10% da população afegã) a uma nação estrangeira, enfatizando o estranhamento. Trocando em miúdos, trata-se de racismo puro, ainda mais se for levado em conta que os patanes (40% da população) orgulham-se de seus olhos claros, celebrizados na foto de Steve McCurry da menina afegã que se tornou a capa mais famosa da revista National Geographic, e de sua mítica ascendência que remontaria às tropas de Alexandre, o Grande.
Nada disso faz muito sentido hoje em dia num país devastado por intermináveis décadas de guerra e destruição. Seja qual for o regime, os hazaras sempre estiveram por baixo. Até agora, porém, ninguém se equiparou ao Talibã em crueldade contra essa minoria. Em outubro de 2001, entrevistei num subúrbio da cidade fronteiriça paquistanesa de Quetta um camponês que tinha fugido a pé do Afeganistão. Embora estivessem enfrentando uma guerra de vida ou morte - e que terminaria, nas semanas seguintes, no fim de seu domínio -, ou talvez justamente por isso, os talibãs se voltaram contra os hazaras na busca por víveres e mantimentos. O homem que encontrei, já idoso, tinha marcas de baioneta no peito e nas costas.
O fato de, passados quase 15 anos do fim do regime talibã, os hazaras continuarem sendo alvos de violência mostra que a invasão americana de 2001, supostamente dedicada a garantir direitos de mulheres e minorias, fracassou. Têm razão os manifestantes de Cabul: depois dos hazaras, as vítimas serão os que estão no poder.