Um colecionador de atos de barbárie praticados em momentos diferentes da história do Brasil não terá dificuldade para escrever alentado volume com o sangue das vítimas escorrendo de suas páginas. A pesquisa, certamente recheada de episódios macabros, em nada diferentes dos filmes de terror do Estado Islâmico, poderia começar com o ato final de extinção da República dos Palmares, no dia 20 de novembro de 1695, localizada na região sul da capitania de Pernambuco, hoje Estado de Alagoas. Naquele dia, na Serra de Dois Irmãos, lugar de difícil acesso, com desfiladeiros, penhascos e gargantas profundas, a entrada de uma cova no meio da mata cobriu-se de sangue do general Zumbi, que num período de 25 anos liderou a quase inexpugnável República dos Palmares.
Depois da destruição da sua capital, Macaco, 11 meses antes, e do morticínio efetuado por bandeirantes comandados por Domingos Jorge Velho, em 14 povoações palmarinas, o general negro foi vítima de uma cilada e de uma traição. Antonio Soares, guerrilheiro negro em que ele confiava, aproximou-se de Zumbi e ao invés de lhe dar boas informações sobre a continuidade da luta do seu povo, enterrou-lhe o punhal no estômago. Apesar da resistência desesperada de Zumbi e de meia dúzia de companheiros que tentaram protegê-lo, foi impiedosamente assassinado, já na presença de um general bandeirante, André Furtado de Mendonça, que agradeceu a Deus pela graça alcançada.
O que aconteceu depois com o corpo de Zumbi talvez não figure do receituário de maldades de nenhum terrorista religioso do Oriente Médio. Castrado, com um olho arrancado e com a mão direita decepada, o corpo de Zumbi foi arrastado até Porto Calvo, povoado alagoano mais próximo. Lá foi decidido que a cabeça de Zumbi, já borrifada com sal, fosse conduzida até Recife, onde ficou exposta num chuço em lugar bastante frequentado da cidade. Os algozes de Zumbi queriam mostrar que ele não era imortal como talvez imaginassem seus irmãos negros. Não era imortal na avaliação dos bárbaros que o trucidaram. Mas é imortal para todos os negros brasileiros, embora tenha sido massacrado aos 40 anos de idade, como mais tarde o foi Tiradentes.
O canalha Antonio Soares recebeu por sua traição a liberdade e uma pensão vitalícia. Hoje é apenas uma alma penada que os historiadores brasileiros só referem por obrigação. Zumbi, que foi heroico e genial a ponto de consolidar um Estado independente e livre para seu povo em pleno Brasil colonial, será eternamente exemplo de destemor e ousadia na comparação com os escravocratas de sua época e os racistas de sempre. O Dia Nacional da Consciência Negra é, para nossos irmãos afrodescendentes, muito mais significativo do que o 13 de maio.