A Air France me levou e me trouxe de Paris na única viagem internacional em que desfrutei as mordomias da primeira classe. Era convidado da empresa, com um grupo de jornalistas, para a inauguração do voo sem paradas que saía de São Paulo. Viajei na ida ao lado do diretor da Air France no Brasil, Eric Fuschmann.
Foi há mais de 20 anos. Gostei da prosa com o bem-humorado Eric. Fizemos metade da viagem tomando bordeaux e comendo queijo na tábua. Na terceira garrafa, encontramos as saídas para Mitterrand e para os conflitos do socialismo francês. O diretor era, claro, socialista.
No desembarque no aeroporto Charles de Gaulle, em algum momento fiquei para trás no grupo, quando um homem forte, de terno e gravata, me pegou pelo braço e me empurrou para uma sala. Ninguém da turma viu a cena e, na indecisão entre gritar e ficar quieto,
preferi me aquietar.
Era um segurança linha-dura. O homem me perguntou se eu preferia um interrogatório em francês ou espanhol. Eu disse que não gostaria de ser interrogado nem em português, mas que poderíamos tentar nos entender em espanhol.
Só eu e o homem na sala. Abri a maleta e ele implicou com a minha bombinha para a asma. Pensei: não há bombinhas em Paris? Ou seriam diferentes? Ele já se encaminhava para perguntas mais incisivas sobre a minha condição de suspeito quando alguém abriu a porta.
Era Monique, a chefe de comunicação da Air France no Brasil. A moça havia saído a me procurar pelo aeroporto. Ela entrou na sala e ordenou ao homem que me constrangia:
- Este senhor é convidado do governo francês. Peço que o libere.
A frase me pôs na cena de um filme de espionagem. O homem a encarou e mandou que eu fechasse a mala. Eu nunca havia viajado a convite de governos. A Air France ainda era uma estrela estatal. Eu estava ali pela vontade de monsieur François Mitterrand.
A simpática Monique me consolou: eu não tinha cara de pessoa perigosa, e a suspeita teria sido acionada porque eu estava todo de preto (passei a viajar com roupas coloridas). Mas depois tudo deu certo.
Agora, leio que a Air France vai demitir quase 3 mil funcionários e se desfazer de 14 aviões. A notícia abala quem conheceu a Air France no auge. Eu posso dizer que viajei na primeira classe por conta de um governo socialista. Que charme era a Air France de Mitterrand.
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O mais impressionante, nesse movimento em torno do parecer do TCU sobre as contas de Dilma Rousseff, é que apoiadores do golpe de 64 apresentam-se de novo para participar da tentativa de golpe de 2015. E tem gente que ainda duvida da existência das vocações.
A diferença é que desta vez o time parece ser de terceira linha, com o restolho do que sobrou de meio século atrás, tudo sob a liderança de Lobão, Bolsonaro, Fábio Júnior, Caiado, Zé Agripino e Eduardo Cunha. A crise baixou até a qualidade dos golpistas.