A descoberta de água em Marte é algo tão profundo e fantástico que vai marcar o Século 21 ao longo dos tempos. Seremos "o século de Marte", como os séculos 15 e 16 foram os dos "descobrimentos marítimos", quando Portugal e Espanha mostraram à Europa que o mundo não se resumia ao mar Mediterrâneo.
O profundo e o belo, porém, convivem com o absurdo e o engano, tal qual a inteligência convive com a estupidez. Nos anos radiosos em que Vasco da Gama chegou às Índias ou Colombo e Pedro Álvares Cabral aportaram por aqui, os dois países que "descobriram" o novo mundo viviam sob a abominável Inquisição. As fogueiras em que "os hereges" eram queimados vivos expressavam "a justiça divina" e nada podia se opor às labaredas. Os descobrimentos mudaram o mundo, mas foram, também, tempos de horror inigualável.
A vida é contínua sucessão. Nosso século é herdeiro do século 20, em que a Teoria da Relatividade ampliou a visão da Física e nos levou às maravilhas da eletrônica na medicina ou nas comunicações. Mas também nos levou à bomba atômica e à radiação que mata sem deixar marcas.
Agora, na semana em que se descobriu que em Marte há água em estado líquido (não só gelo) e que, portanto, deve haver formas microscópicas de vida, aqui a Amazônia cobriu-se de irrespirável fumaça e fuligem pelas queimadas das florestas. Em Manaus, não se via o outro lado da rua. Na zona mais úmida do planeta, o ar tornou-se seco, prenúncio de que a saúde e a vida nada valem...
***
A grandeza da ciência descobre os mistérios de Marte, lá longe. Aqui, a pequenez da cobiça humana destrói a única grande zona úmida do planeta antes de conhecermos, sequer, tudo o que tem.
O paradoxo vai além. Vivemos sob o domínio da mesquinhez, absorvidos pelo jogo de poder num país sem rumo. Nossos governantes patinam nas reticências - da presidente e ministros até governadores e prefeitos, de senadores e deputados até ao próprio Judiciário.
A economia planetária está em crise (até a da gigantesca China está em baixa), mas aqui a "solução" da reforma ministerial visa, apenas, oferecer vantagens ao PMDB e aos partidos, para que a base alugada do governo não se dissolva no Parlamento. A "fidelidade" se vende e se compra com a nomeação de ministros. O vice-presidente Michel Temer exigiu para o PMDB o ministério da Saúde não por ter um grande nome com grandes ideias para o posto, mas porque ali estão as grandes verbas do orçamento.
Num governo cujo lema é fazer do Brasil "a pátria educadora", o professor Janine Ribeiro (com amplo currículum) foi substituído no ministério da Educação por um economista.
***
Na convivência forçada entre a realidade e o absurdo, nada se compara à desfaçatez do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB. Desde agosto, acusado pelo recebimento de milionária propina no escândalo da Petrobras, sequer se licenciou do posto agora, quando a Justiça suíça congelou 5 milhões de dólares que ele "ocultou" em quatro diferentes contas naquele país e enviou o processo ao nosso Procurador Geral.
A RBS-TV mostrou o deputado Chico Alencar, do PSOL, pedindo o afastamento de Cunha "em nome da decência", enquanto o presidente da Câmara simulava não ouvir...
No conluio entre empresários corruptos e políticos idem, o torniquete volta a apertar. Como submarino visível no mar, o ex-presidente Lula da Silva emerge como suspeito em falcatrua que teria rendido milhões a seu filho, em função de uma "medida provisória" de 2009, em benefício das montadoras de veículos.
Nessa incessante multiplicação do crime, qual a solução? Viver em Marte? Lá seríamos respeitáveis micro-organismos, que é (mais ou menos) aquilo a que nos querem reduzir aqui na Terra.
.