O crime nos rodeia. Está em quase todos os cantos e o assédio é tanto que, às vezes, o confundimos com abraço. E tudo se torna ainda mais terrível por sermos envolvidos pelo engano. Nos anos 1940, nos chuveiros dos "banheiros" dos campos de extermínio nazistas, o odor adocicado do gás Zyklon B transmitia, nos segundos iniciais, agradável sensação aos civis prisioneiros, que respiravam fundo e enchiam o pulmão em busca de ar puro. Em menos de um minuto, se retorciam asfixiados e morriam.
O engano é o elemento mais perturbador do crime. Ou é, até, a arma fundamental, sem a qual o criminoso não seria capaz de consumar o ato. A não ser aqueles criminosos escancarados, que se orgulham da morbidez de matadores, todos se ocultam no engodo. Agora, quando velhos e imensos escândalos vêm à luz pela primeira vez, deixamos de ser o país em que os grandes ladrões nunca chegavam à Justiça. Ou, nas raras vezes em que respondiam a processo, escudavam-se na condição de "elegantes senhores" e jamais eram condenados.
Além dos já condenados no escândalo da Petrobras, agora dezenas de outros estão a caminho das grades. A independência de Rodrigo Janot e seus procuradores e o destemor do juiz Sérgio Moro fizeram a Justiça perder o "temor reverencial" com que tratava os "graúdos".
***
Até Pizzolato já está na Papuda, mas a "graudagem" não desiste. Escrevo de São Paulo, onde a falta d'água é tão visível quanto as pressões do PT para que Dilma demita o ministro da Justiça, Joaquim Cardozo.
O PT paulista chama Cardozo de "traidor" por "ter permitido" que a investigação da Polícia Federal na Operação Lava Jato chegasse ao ex-presidente Lula, dois filhos e nora. Queriam que o ministro apontasse, de antemão, a quem investigar ou culpar?
Além de Lula, dezenas de políticos de diferentes partidos aparecem na "delação premiada" de Fernando Baiano, coordenador dos subornos ao PMDB na Petrobras. E não só os já conhecidos gatunos do PP, PMDB e PT, mas até Sérgio Guerra, ex-presidente nacional do PSDB, tido como "acima de toda suspeita" (falecido em 2014), recebeu R$ 10 milhões para evitar uma CPI sobre a Petrobras. Também o ex-deputado do PSDB Alexandre Santos, "mandão" na empresa no tempo de Fernando Henrique. E ainda Antônio Palocci, ministro da Fazenda de Lula. Além do ex-presidente Collor, que teria recebido R$ 26 milhões numa venda de álcool superior a R$ 1 bilhão...
Nenhum desses aprendizes de gângster, porém, teve a audácia de Eduardo Cunha, do PMDB, ao depositar em bancos suíços milhões de dólares oriundos do suborno, convencido de que era impune e intocável. O procurador Janot já localizou US$ 5 milhões e busca outros US$ 34 milhões do presidente da Câmara dos Deputados e familiares.
***
Não há petróleo no Rio Grande, mas nos orgulhamos sempre do úbere de nossas vacas e do leite produzido. Mas também aí o engodo viceja. Em 2013, procuradores estaduais descobriram vasta rede de adulteração do leite e 66 implicados foram presos. Mas a fraude continuou. Agora, nova descoberta, ainda mais grave: os já condenados ou denunciados à Justiça continuaram a adulterar. Os TACs, "Termos de Ajustamento de Conduta" impostos aos "condenados" foram leves e a Lactibom, principal empresa implicada, mudou de nome e continuou a envenenar.
Sim, envenenar! Ou adulterar um alimento essencial não é um envenenamento programado?
O escândalo do leite não tem a dimensão financeira do assalto à Petrobras, mas é mais pernicioso. Está em jogo a saúde da população. Equivale a um ato terrorista que afeta indiscriminadamente a todos.
Já misturaram formol ao leite. Só falta que adicionem óleo diesel e nos vendam como "café com leite".
.