Metade dos professores britânicos pensa em deixar a profissão nos próximos dois anos. A pesquisa, divulgada no jornal The Guardian neste mês, revela ainda que a maioria dos professores sente que perdeu boa parte da motivação para ensinar nos últimos cinco anos.
No Brasil, o desânimo dos professores envolve tantos problemas com salários e infraestrutura, que questões como motivação acabam ficando em segundo plano, mas aqui também se percebe, já há algum tempo, uma espécie de "crise de representatividade" na sala de aula - somada, claro, à crise conjuntural que afeta a educação brasileira desde sempre.
Diferenças na forma como adultos e a geração nativa digital encaram a tecnologia e o aprendizado podem explicar boa parte do desânimo que vem sendo sentido por alunos e professores. O sintoma mais banal desse descompasso, o debate sobre o uso ou não do celular em sala de aula, à primeira vista parece uma mera questão de disciplina escolar, mas é uma boa ilustração do abismo geracional que separa quem encara o celular como um intruso que perturba a concentração e rompe a ordem estabelecida e quem usa a tecnologia como uma espécie de extensão do próprio cérebro. Escolas mais ou menos liberais têm desenvolvido diferentes estratégias para disciplinar o uso do smartphone, mas poucas (se é que existem) descobriram como realmente tirar proveito dessa realidade incontornável.
Para os adultos, o celular é basicamente um meio de comunicação. Para quem tem menos de 20 anos, é o playground, a estante, a TV, a festa, o shopping. Todos esses lugares são muito atraentes, mas oferecem percursos mais ou menos previsíveis dentro de determinados nichos de idade, interesses e classe social. Professores têm a oferecer um conhecimento capaz de ampliar o horizonte dos alunos para além dessa zona de conforto onde os smartphones os embalam docemente. Conhecimento é o que faz com que jovens tornem-se adultos curiosos e tolerantes com quem não é da sua tribo - o mundo, ainda bem, não cabe em uma única tela.
Ao contrário de outras atividades impactadas pela tecnologia, porém, a escola ainda não encontrou um substituto à altura daquilo que estamos deixando para trás - as formas convencionais de transmissão de conhecimento. É como se os táxis, os hotéis e a TV por assinatura estivessem saindo de linha sem que Uber, AirBnb ou Netflix tivessem sido inventados.
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Cláudia Laitano: linhas cruzadas
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