Os mais exaltados saltaram das entranhas do Facebook e passaram a atormentar as próprias famílias nos almoços de domingo. Gritam com o assador, cospem na churrasqueira, põem defeito no pão com alho. E o personagem forte hoje é o golpista que espalha cizânia.
Pais, filhos, primos, tias, cunhados estão rachados. Golpistas juvenis discursam na mesa como se fossem novos Jânios Quadros. Namoros são desfeitos. Mães choram pelos cantos. Pais advertem: não brinquem com fogo.
Repete-se o que aconteceu após o golpe de 64, durante um bom tempo chamado de revolução. Muitos referem-se agora ao movimento para deposição da presidente da República como impeachment. Outros chamam de golpe.
Para o jurista Hélio Bicudo, um dos autores do pedido de afastamento de Dilma, é impedimento. Para três dos quatro filhos dele, o pai caiu numa armadilha golpista. Uma filha está ao lado do ex-petista.
A família de Bicudo e a família brasileira debatem as vantagens e os danos de um golpe hoje (vamos chamar pelo nome). Uma vantagem, para Bicudo: Temer ou Aécio podem assumir. Uma desvantagem, para três filhos de Bicudo: Temer e Aécio podem assumir.
E, se Dilma e Temer caírem, o Brasil pode ser entregue a um mineiro cujo desejo é virar carioca. A Folha de S. Paulo publicou que Aécio fez, como governador, 124 viagens de Belo Horizonte ao Rio de 2002 a 2010. Pegou jatos do governo para passar fins de semana em Ipanema.
Entre 2007 e 2009, chegou a viajar um fim de semana sim, outro não para o Rio. Fora as viagens para Florianópolis. Aécio gosta tanto do Rio, que, se derrubar Dilma, instala o gabinete no Palácio do Catete.
O golpe de 64 teve efeitos nas famílias, e não só por dividi-las entre militantes da Arena (governista) e do MDB (oposição). No Interior, havia parentes apartados pelas subdivisões dos partidos - na Arena 1 e na Arena 2, ou no MDB 1, 2 e 3. Em algumas cidades, a Arena era mais progressista do que o MDB e até do que alguns militantes clandestinos.
Só que em quase todos os golpes anteriores os liderados seguiam golpistas sem envolvimento com graves suspeitas. Agora, Aécio já foi citado duas vezes pelo doleiro e delator Youssef como recebedor de propinas de uma empresa prestadora de serviços da central elétrica de Furnas.
O senador Aloysio Nunes Ferreira, também tucano, que gostaria de assumir ao lado de Aécio (foi seu candidato a vice em 2014), está sendo investigado, por ordem do Supremo, depois de delatado como recebedor de propina de uma empresa da Lava-Jato. Aécio foi apenas citado pelo doleiro, não há investigação contra ele. Mas os dois são, como se vê, líderes com a reputação avariada.
Em 64, os militares se impuseram pelos tanques, pela farda, pela imagem de austeridade e pelas celebridades da economia que levaram para os ministérios. Os militares tinham a incumbência de afastar o medo do comunismo e da reforma agrária que ameaçava, diziam, até as chácaras de leiteiros do Plano Alto, em Uruguaiana. O que aconteceu depois todo mundo sabe, mesmo que alguns não gostem de saber. Agora, imagine hoje.
E o seu primo, de que lado está? Eduardo Cunha é do time dele? E o Temer? E o Zé Agripino (que anda desaparecido)? Você, que já estava desconfortável com o seu tio defendendo o Bolsonaro, aguenta aquele sobrinho, que nunca tinha ouvido falar do Lobão e agora vive reproduzindo os discursos do Lobão?
Um golpe tem altos custos familiares. Imagine, daqui a alguns anos, seu cunhado tendo de explicar aos netos quem foi o líder Fábio Júnior. E bem na hora do churrasco.