Há duas semanas, revoltados com a concorrência do Uber, dezenas de milhares de motoristas de táxis de Mumbai, na Índia, entraram em greve por um dia. O que ocorreu? O número de usuários do Uber explodiu. No dia seguinte, os tradicionais e decrépitos táxis preto-amarelos de Mumbai voltaram às ruas, mais ameaçados do que nunca pelo exército de novos passageiros que experimentaram, e gostaram, do Uber.
As greves que se arrastam pelas repartições federais têm um quê de paralisação contra o Uber. Tome-se o caso da paralisação no INSS, declarada há mais de 70 dias. O governo federal não se exaspera pelo fim do movimento, que está deixando 10 milhões de contribuintes numa fila virtual. Ao postergarem aposentadorias e outros benefícios, os grevistas se tornaram involuntários aliados do esforço pelo ajuste fiscal. O governo economiza e ainda transfere para as costas dos grevistas o ônus da impopularidade pelo atraso nos benefícios.
Agora, diante do anúncio da suspensão dos reajustes federais, os sindicatos de servidores ameaçam com uma greve geral. O berro é livre, mas o governo deverá aproveitar a ocasião para identificar novos candidatos a cortes: eventuais repartições paralisadas que não produzem maiores efeitos na vida do país se colocam como alvo para entrar na fila da faca ou mesmo da extinção. De novo, o governo poupará alguns caraminguás, como energia e diárias, e adiará despesas e investimentos sob alçada dos setores parados, enquanto empresas privadas, a exemplo do Uber na Índia, se apressarão em conquistar clientes relegados por grevistas estatais.
É irônico, mas quem engrossa a sensação de instabilidade que atiça o clima pelo impeachment? Os banqueiros que dão apoio à arrumação das contas públicas ou os sindicatos da base do social do governo que anunciam greve geral e disparam fogo amigo contra o Planalto? No Congresso, a oposição mais exaltada bate palmas para os sindicalistas e despeja combustível na fogueira. Resta a bombeiros do governo acionar seus extintores. "O esforço que estamos fazendo para segurar a base social é desproporcional à irresponsabilidade da oposição", diz o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS).
Com o Congresso em brasas, a economia em frangalhos e agora amigos que querem paralisar o governo, o mandato de Dilma afunda em sua viagem pelo vale de lágrimas.
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