Os abrigos públicos deveriam ser apenas uma morada temporária para crianças e adolescentes. Seriam um espaço de transição entre a família de sangue e a nova família. Infelizmente, não é a realidade. Crianças abandonadas ou retiradas do lar chegam pequenas e, em muitos casos, saem gente grande, com 18 anos, para uma vida fora do abrigo.
Em 2013, quando preparava uma reportagem sobre os filhos de usuárias de crack, me deparei com a realidade dos abrigos públicos no Rio Grande do Sul. Não consegui e não consigo entender como o poder público deixa as crianças lá se tantas famílias procuraram um filho para adoção. A resposta de ontem e de hoje é uma só: são coisas da burocracia. O processo de destituição do poder familiar é muito moroso.
As repórteres Maria Eduarda Fortuna e Marcela Panke, minhas colegas na Rádio Gaúcha, voltaram ao tema e percorreram abrigos atrás de histórias. Em Porto Alegre, 1.323 crianças e adolescentes estão abrigados, mas apenas 262 estão aptos para adoção. Enquanto isso, há mais de 5 mil pretendentes no Estado na lista do Cadastro Nacional de Adoção.
Eu sei que o perfil procurado pelos futuros pais não bate com a maioria dos abrigados. Os casais querem crianças brancas, saudáveis e com menos de 5 anos de idade. Mesmo assim, meninos e meninas dentro deste perfil acabam ficando tempo demais esperando.
Minha esperança de dias melhores está na promotora da Infância e Juventude Cinara Braga, que é incansável na cobrança de agilidade e melhor estrutura do Judiciário para acelerar as adoções. Recentemente, foi criado o Grupo de Trabalho com representantes do Tribunal de Justiça, Ministério Público, Fundação de Assistência e Cidadania (Fasc) e Fundação de Proteção Especial (FPE) para lutar contra a burocracia. A ONG Amigos de Lucas também faz um trabalho de alerta para as falhas do sistema há muito tempo.
Por mais atenciosos e dedicados que sejam os funcionários dos abrigos, não é lá que as crianças merecem crescer. Elas precisam de uma família.