Por Marcelo Rech, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Você também pode fazer o teste. Eu escolhi o único tema que domino como ninguém mais: eu mesmo. À pergunta sobre quem é Marcelo Rech, a inteligência artificial do ChatGPT me responde com dois pecados desinformativos: me concede dois anos a menos (obrigado, Chat), fruto de um erro publicado em um site há uns 10 anos, e mistura minha atuação com a de um jornalista homônimo que vive em Brasília. O ChatGPT pode se achar esperto mas não é inteligente o suficiente para imaginar que possam existir dois jornalistas com o mesmo nome.
Faz quase um ano que escrevi aqui em ZH uma primeira coluna saudando a eclosão da IA, mas de lá para cá fui sendo tomado por mais dúvidas do que deslumbramentos. A primeira constatação está relacionada ao início desta coluna: não se pode confiar na precisão da IA, não ao menos se você pretende usá-la para algo sério, como o jornalismo ou o mundo dos negócios, da saúde, da administração pública ou da política. .
A inteligência artificial, como se vê, precisa de supervisão - e aí reside um novo e ainda mais relevante papel para o jornalismo.
Há umas boas duas décadas, o jornalismo começou a passar por uma profunda transformação. A par da sua atividade central de apurar os fatos e retratar o cotidiano, a profusão de versões nas redes sociais impeliu o jornalismo a incorporar o papel de verificador da realidade, ou seja, a de tirar a limpo se aquilo que circula pelo mundo digital faz sentido, se é verdade, se é exagerado, se está fora ou dentro de contexto e assim por diante. Neste novo papel, os jornalistas se transformaram em certificadores de versões, empregando técnicas de apuração e acesso a fontes confiáveis para desmontar ou confirmar narrativas digitais.
Agora, a IA expande ainda mais essa responsabilidade. Uma parte considerável da atividade jornalística, como de resto todas as funções intelectuais repetitivas, tende a ser progressivamente substituída pela IA. Em contrapartida, naquilo que o jornalismo é insubstituível – desencavar fatos e conferir versões – a IA abre um novo, promissor e imprescindível campo de atuação para quem atua com dados de realidade, sejam eles jornalistas ou pesquisadores.
Neste mundo fluido, princípios básicos precisam ser reafirmados com solidez. Pelo lado dos desenvolvedores de IA, conteúdos jornalísticos não podem ser usados sem autorização ou remuneração aos produtores. Pelo lado do jornalismo, a ética deve imperar em quaisquer circunstâncias ou tecnologia. Ter segurança sobre a origem confiável de uma informação, transparência e responsabilidade para assumir as consequências da produção de IA são algumas delas. Não será um mundo simples, mas nunca foi.