Por Ricardo Gandour, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
As eleições deste ano trouxeram à tona o debate em torno da precisão das pesquisas de intenção de voto. Debate em grande medida inédito e com forte tom de questionamento. Eleições anteriores não haviam registrado polêmicas da magnitude como a que vimos até há poucas semanas. Efeito da polarização, do Censo atrasado ou erro metodológico?
O fato me fez lembrar de uma frase que sempre gostei de usar nas redações, quando frente a frente às fragilidades da nossa área, falível como toda atividade humana: para os problemas do jornalismo, mais jornalismo. A reportagem contém erros? Corrigimos. Ficou incompleta? Fazemos outra, ouvindo mais vozes, olhando para mais lados. Insuficiente? Fazemos mais uma, e assim por diante. Avanços, em vez de retrocessos.
A ciência e a técnica progridem a partir das dúvidas
Jornalismo não é ciência, mas sim uma atividade prática, que empresta conceitos de disciplinas como a lógica, a filosofia, a estatística e, mais recentemente, a computação, entre outras. Mas a busca do rigor metodológico aproxima o jornalismo do campo científico. Erros em reportagens devem, além de corrigidos, ser objeto de reflexão e aprendizado. Por que o equívoco aconteceu? O que poderíamos ter feito de diferente em prol de maior precisão? Muitas vezes esse raciocínio leva a novos ângulos, eventualmente resultantes em furos de reportagem. Mais jornalismo.
Na ciência, os desvios e as discrepâncias são antes de tudo dados importantes e subsídios para novas descobertas, jamais desalento ou motivo para interrupções ou retrocessos. Um certo medicamento tem seu efeito reduzido ao longo do tempo? Investiga-se a população tratada. O algoritmo da rede social privilegia quantidade e repercussão em vez de relevância e qualidade? O ideal é que se invista em seu aprimoramento... e, bem, isso dá uma outra coluna, ou várias... A ciência e a técnica progridem a partir das dúvidas.
Como não especialista no assunto, permito-me estender o raciocínio às pesquisas, notadamente uma prática do campo científico e metodológico. São absurdas as hipóteses de proibição ou qualquer outra restrição. Cabe aos institutos especializados (e sabidamente estão fazendo isso) se debruçar sobre as novas realidades para aprimorar seus métodos. Mais pesquisas – sobre o comportamento e as tomadas de decisão das pessoas. Só assim teremos o aprimoramento dessa ferramenta estatística, valiosa não só no campo eleitoral, mas para o debate público e o progresso da sociedade como um todo.