Em meados do ano passado, às vésperas da posse do então vice Michel Temer na Presidência da República, com o impeachment de Dilma Rousseff, o repórter Fábio Schaffner foi escalado para ir a Tietê (SP) reunir histórias da infância e juventude do peemedebista em sua cidade natal. Voltou de lá com a reportagem e com um insumo fundamental na vida de um repórter: fontes. Foi graças a elas que, dias atrás, Schaffner conseguiu contar o episódio que parece ser revelador de um padrão de comportamento do atual chefe da nação: viajar em aeronaves particulares de empresários, procedimento no mínimo questionável para alguém em seu cargo – que requer isenção, equidistância, blindagem no comportamento – e para quem, afinal de contas, entre alguns privilégios, tem a seu dispor aviões e helicópteros da FAB.
A viagem descrita na reportagem incluiu um festivo desembarque, na manhã de 9 de março de 2014, em Tietê, torrão de Temer, do helicóptero do empresário Vanderlei de Natale. Desembarque este documentado em fotos que Schaffner conseguiu com... fontes que havia cultivado na viagem a Tietê meses antes. Não caíram do céu nem foram encontradas numa esquina. E não foram fruto do acaso, mas do trabalho obstinado de um jornalista. Consultado por Schaffner sobre um compromisso de agenda oficial em 9 de março de 2014, o Palácio do Planalto afirmou, mais de uma vez, em resposta, que a viagem para participar dos festejos dos 172 anos de Tietê havia ocorrido a bordo de aeronave da FAB. Horas depois, premido pela repercussão nacional que a notícia ganhou, o governo recuou e admitiu que o meio de transporte foi o helicóptero de um "amigo do presidente". Entre os negócios do "amigo", resplandece a Construbase, empreiteira que tempos depois entraria na lista de investigadas na Lava-Jato.
O resgate do episódio ganhou cores mais vivas porque, dias antes, o país ficou sabendo que Temer também havia voado no jatinho de Joesley Batista, o chefão da JBS que contou em delação passagens politicamente picantes de sua relação com o presidente, ligadas a reuniões noturnas, indicações de pessoas do governo para negociações e até supostas propinas, tudo ainda sob investigação. Com a moldura da crise política em que o país está mergulhado, o voo São Paulo-Tietê-São Paulo no helicóptero do "amigo" mereceu significado e simbolismo de alto impacto. Vários dos principais meios de comunicação do país logo noticiaram a reportagem publicada na noite de terça-feira em zh.com.br e ampliada na quarta em ZH papel. O autodesmentido do Palácio foi o selo de veracidade do trabalho do repórter. Contra uma boa e consistente apuração, não há versão que sobreviva.
Nas conversas de bastidores da Redação, quando colegas vêm me propor temas para reportagens, uma resposta clássica que ouvem é: "Mas a apuração tem começo, meio e fim?". Ou: "Mas a pauta foi bem espancada, jogada várias vezes na parede e mesmo assim sobreviveu?". Em outras ocasiões, quando a oferta de ideias não anda tão boa, costumo cutucar repórteres com um "vamos, gente, me incomodem com boas reportagens!". Após 33 anos labutando em redações, boa parte deste tempo como editor, essas frases feitas ajudam na interação com o time. Mais do que elas, a experiência ensinou que ter bons repórteres na equipe faz toda a diferença. Para o editor e, principalmente, para os leitores.