A Rádio Gaúcha teve acesso à denúncia do Ministério Público sobre a fraude envolvendo precatórios no Rio Grande do Sul. Doze pessoas foram denunciadas por sete crimes: formação de quadrilha, estelionato, corrupção passiva, corrupção ativa, uso de documento falso, violação de sigilo funcional e falsidade ideológica.
Entre os denunciados, estão três advogados, dois empresários e dois servidores públicos. Segundo a denúncia, dois golpes diferentes eram aplicados por grupos criminosos distintos.
Núcleo Criminoso 1
No primeiro núcleo criminoso, foram denunciados o músico e bacharel em Direito Lisandro Figueiredo Roa, o advogado Sandro Keenan Salgado, os empresários Marcelo Cabral Corrêa e Mário Luis Barreto Monteiro e ainda Sara Jane dos Santos. Escutas telefônicas, depoimentos de testemunhas e análise de documentos comprovam o envolvimento de todos no esquema, segundo a denúncia.
De acordo com o Ministério Público, a fraude foi aplicada entre 2009 e 2013. Lisandro, Sandro e Mário captavam clientes e negociavam os precatórios de forma fraudulenta. Marcelo Cabral, dono do bar Divina Comédia, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, era quem compensava os cheques entregues pelas vítimas à quadrilha. Cabia à Sara Jane dos Santos se passar por credora de precatórios e formalizar as procurações e cessões falsas dos créditos. Mais pessoas tinham esse papel, mas não houve comprovação. Para se ter uma ideia, Sara Jane, que tem 46 anos, se passou por uma idosa de 83 anos. Ela usou peruca e maquiagem para parecer mais velha.
Num dos casos, Sara Jane foi até o 2º Tabelionato de Porto Alegre passar os direitos de um precatório que não era seu para dois advogados vítimas. Esse precatório foi vendido por R$ 70 mil, pagos em dois cheques, que foram depositados e compensados numa conta do Banrisul em nome de Cabo Horn, razão social do bar conhecido em Porto Alegre como Divina Comédia, de propriedade de Marcelo Cabral Corrêa. Nesse negócio, o músico Lisandro Figueiredo Roa recebeu comissão de R$ 24,5 mil.
Assim, o total do prejuízo das vítimas foi de R$ 94,5 mil. De acordo com a denúncia, Mário Luis Barreto Monteiro participou da fraude, porque indicou Lisandro às vítimas, deu suporte à negociação, tendo inclusive utilizado para isso sua empresa Lucrefis, que atua no mercado de compra e venda de precatórios.
Numa segunda oportunidade, o núcleo criminoso vendeu um precatório de forma fraudulenta por R$ 95 mil. O primeiro cheque foi compensado também na conta bancária do bar Divina Comédia. Já o segundo cheque não chegou a ser compensado. Segundo o Ministério Público, a compensação não foi feita porque Sara Jane, que se passava por credora de precatório, foi presa em flagrante dentro do Tabelionato de Notas de Torres tentando aplicar outro golpe. Quando a quadrilha soube da prisão, descartou o segundo cheque. Detalhe. O título foi encontrado no chão, por um pedestre, em frente ao bar Divina Comédia.
A denunciada Fernanda Machado, que é advogada, também é acusada de participar do esquema que utilizava pessoas que se faziam passar por donos de precatórios. Depois da falsificação de procurações e cessões de crédito, ela vendia os precatórios fraudulentos.
Em outros dois casos, um dos integrantes da quadrilha tentou se passar por credores que já estavam mortos. Um deles estava falecido desde 1983.
Núcleo Criminoso 2
Foram denunciados no chamado Núcleo Criminoso 2 César Roberto Consentini, Oberdan Ramos, Silvia Helena Luz de Abreu, Alexandre César Cardoso Guedes, Fabrício Esteves de Matos e Salvador Souza Pereira. César, que é bacharel em Direito, e Oberdan, que é advogado, pagavam propina para a então servidora pública e diretora do Setor de Processamento de Precatórios do Tribunal de Justiça Silvia Helena Luz de Abreu para obter informações sigilosas. A dupla possui um escritório que compra e vende precatórios. Foram analisados casos entre 2009 e 2012, segundo a denúncia do Ministério Público Estadual. A então diretora passava informações de credores de precatórios. Também furava a fila de pagamentos, passando na frente processos de interesse da quadrilha.
Fabrício Esteves de Matos e outro integrante da quadrilha obtinham cessões de precatórios de forma fraudulenta e vendiam os créditos para empresas que se tornavam vítimas.
O denunciado Alexandre Cesar Matias Cardoso é acusado de repassar informações sigilosas para Fabrício. Alexandre é agente da Empresa Pública de Transporte e Circulação, a EPTC. Num dos casos citados na denúncia, Alexandre manda informações de um veículo e de seu proprietário através do aplicativo WhatsApp para Fabrício. As informações eram usadas para aplicar os golpes.
O denunciado Salvador Souza Pereira recebia procurações falsas de credores para conseguir negociar precatórios. Segundo o Ministério Público, ele tinha também no HD de seu computador apreendido um arquivo de um documento falso que seria juntado num processo criminal para beneficiar um detento.
A fraude envolvendo precatórios pode chegar a R$ 100 milhões. Segundo a denúncia assinada pelo promotor Ricardo Herbstrith, está comprovado o golpe de R$ 37,6 milhões.
O que dizem os denunciados
O empresário Marcelo Cabral Corrêa afirma que recebeu os cheques em razão da venda de uma auto-demolidora que possuía. O empresário garante que não sabia que os cheques eram oriundos de fraude e que não tem qualquer participação no esquema.
O advogado Sandro Keenan Salgado disse que não teve acesso à denúncia. Também afirmou que Lisandro trabalhava em seu escritório com a compra e venda de precatórios, mas que ele, Sandro, atuava na área do Direito de família.
Procurada, a advogada Fernanda Machado disse que não falaria sobre o assunto e desligou o telefone.
Fabrício Esteves de Matos disse que pediria para seu advogado retornar à ligação, o que não ocorreu até o fechamento dessa reportagem.
Alexandre César Matias Cardoso Guedes disse que não tem envolvimento na fraude. Também que colocou seu sigilo fiscal e telefônico à disposição das autoridades que investigam o caso.
Salvador Souza Pereira não retornou às ligações feitas para seu escritório.
Os telefones da empresa de Mário Luis Barreto Monteiro estão desativados.
Lisandro Figueiredo Roa, Oberdan Ramos, César Roberto Consentini e Silvia Helena Luz de Abreu não atenderam às diversas ligações.
Sara Jane dos Santos não foi encontrada.