A Bolívia viveu nesta quarta-feira (26) o que está sendo tratado como uma tentativa de golpe de Estado. Tropas e tanques se posicionaram em frente à sede do governo, em La Paz, e chegaram a derrubar a porta do palácio presidencial. O movimento seria liderado pelo general Juan José Zúñiga, até então comandante do Exército.
A informação sobre a ação começou a circular pelo mundo com manifestações do presidente boliviano, Luis Arce, que inicialmente falou em "mobilização irregular" da força armada, e do ex-presidente Evo Morales, que logo tratou a situação como uma tentativa de golpe. Ambos os líderes convocaram a população a resistir. Os países da América Latina, entre outros integrantes da comunidade internacional, prontamente condenaram a ação militar.
Arce chegou a confrontar Zúñiga, nos arredores do palácio, e ordenar que o movimento fosse interrompido. Mais tarde, se pronunciou à nação e confirmou a troca dos comandos militares do país, com a deposição do general apontado como golpista. José Wilson Sanchez Velazquez assumiu o Exército, Gerardo Alvarez, a Força Aérea, e Renan Wilson Guardia Ramirez, a Guarda Armada.
— Sem dúvida, hoje tem sido uma jornada atípica na vida de um país que quer democracia. Porque nós estamos em uma tentativa de golpe de Estado por militares que estão manchando o uniforme, atentando contra a constituição política do Estado. Denunciamos a atitude dos maus militares que tentam um golpe de Estado, quando o povo boliviano sempre foi um povo democrático — declarou o presidente.
Com o novo comandante do Exército ordenando o retorno das tropas aos quartéis, o movimento se desfez e os arredores da sede do governo foram tomados por manifestantes pró-governo e pró-democracia.
O que disse o presidente da Bolívia?
Inicialmente, o presidente Luis Arce convocou os bolivianos a se mobilizarem contra a tentativa de golpe de Estado.
— O povo boliviano é convocado hoje, precisamos que o povo boliviano se organize e se mobilize contra o golpe de Estado, a favor da democracia — disse Arce em uma mensagem ao país junto a seus ministros no palácio presidencial.
Depois, anunciou a mudança dos comandos militares no país e agradeceu o apoio recebido de outros líderes do país e do mundo.
— Saudamos os órgãos internacionais que estão repudiando este ato, aos países amigos que estão se pronunciando a favor da democracia boliviana. Saudamos a todos que estão nesse momento, como governadores, organizações sociais, prefeitos, que estão se pronunciando contra toda ação contrária à democracia do povo boliviano — pontuou.
Quando o movimento se desfez, após a troca dos comandos, Arce falou aos manifestantes no entorno do palácio presidencial:
— Ninguém pode nos tirar a democracia que conquistamos (...). Estamos certos de que vamos continuar e vamos seguir trabalhando.
Quem é o general Zúñiga, que seria líder do movimento
O general Juan José Zúñiga, que era comandante do Exército desde novembro de 2022, é apontado como líder da tentativa de golpe. Já desde terça-feira havia rumores sobre a possível remoção dele do cargo, após afirmações de que prenderia o ex-presidente Evo Morales caso este insistisse em concorrer nas eleições que ocorrerão em 2025 no país.
Morales governou a Bolívia entre 2006 e 2019 e acabou forçado a renunciar diante de um levante popular, quando tentava um quarto mandato (o que é vedado pela legislação do país). A candidatura dele para tentar novamente a presidência no ano que vem foi rejeitada por um tribunal há seis meses.
À imprensa, enquanto os militares cercavam o palácio nesta quarta-feira, Zúñiga afirmou que o movimento buscava "estabelecer a democracia" e afastar os que "se adonaram" do país. Ele também disse que pretendia libertar militares que são mantidos como "presos políticos". A ação militar foi rechaçada por todos os campos políticos bolivianos.
O que aconteceu a Zúñiga?
Após ser deposto do cargo pelo presidente Luis Arce, o general Zúñiga foi preso na noite desta quarta, em La Paz, enquanto dava uma declaração à imprensa. Ele dizia que o movimento militar junto ao palácio foi orquestrado pelo próprio presidente, para "aumentar sua popularidade". Até agora, Arce não comentou publicamente esta afirmação. A procuradoria-geral da Bolívia informou, por meio de nota, que Zúñiga e todos os envolvidos no levante serão investigados criminalmente.
A polícia boliviana também deteve Juan Arnez Salvador, comandante da Marinha boliviana. A captura foi anunciada pelo ministro do Governo, Eduardo Del Castillo. Salvador é acusado de terrorismo e levante armado.
Del Castillo descreveu Zúñiga e Arnez como "dois militares golpistas que tentaram destruir a democracia e a institucionalidade" do país e "fracassaram". Ele disse que ambos se encontravam no interior de um tanque militar que tentou derrubar as portas de entrada no Palácio do Governo.
Como o governo brasileiro reagiu?
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, rapidamente afirmou que pediu ao Itamaraty para que contatasse autoridades bolivianas para entender o que acontecia. Quando confirmou-se o relato de golpe, condenou o movimento.
O Itamaraty também soltou uma nota oficial a respeito. Leia:
Governo brasileiro condena nos mais firmes termos a tentativa de golpe de Estado em curso na Bolívia, que envolve mobilização irregular de tropas do Exército, em clara ameaça ao Estado democrático de Direito no país.
O Governo brasileiro manifesta seu apoio e solidariedade ao Presidente Luis Arce e ao Governo e povo bolivianos. Nesse contexto, estará em interlocução permanente com as autoridades legítimas bolivianas e com os Governos dos demais países da América do Sul no sentido de rechaçar essa grave violação da ordem constitucional na Bolívia e reafirmar seu compromisso com a plena vigência da democracia na região. Esses fatos são incompatíveis com os compromissos da Bolívia perante o MERCOSUL, sob a égide do Protocolo de Ushuaia.
Como foi a repercussão internacional?
Líderes do mundo se manifestaram nesta quarta-feira (26) rapidamente contra a tentativa de "golpe de Estado" na Bolívia. Pouco depois dos eventos, parte importante dos líderes da América Latina criticou as ações do Exército local, o que também ocorreu com representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia (UE).
Um dos primeiros a se manifestar foi o secretário-geral da OEA, Luis Almagro. Em sua conta na rede social X, o representante condenou de "forma mais energética os acontecimentos". "Exército deve ser transferido para o poder civil legitimamente eleito. Enviamos nossa solidariedade ao presidente da Bolívia Luis Arce Catacora, ao seu governo e a todo o povo boliviano. A comunidade internacional, a OEA e a Secretaria Geral não tolerarão nenhuma quebra da ordem constitucional legítima na Bolívia ou em qualquer outro lugar", disse.
O Alto Representante da UE, Josep Borrell, escreveu na mesma rede social que o bloco "condena qualquer tentativa de quebrar a ordem constitucional na Bolívia e derrocar os governos eleitos democraticamente, e expressa sua solidariedade com o governo e o povo boliviano".
O governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez um chamado "à calma", declarou à agência de notícias AFP uma porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.
— Os Estados Unidos estão acompanhando de perto a situação — limitou-se a dizer a funcionária.
O presidente de governo da Espanha, Pedro Sánchez, disse que o país condena "veementemente os movimentos militares". Na mesma rede social, ele afirmou: "Enviamos ao Governo da Bolívia e ao seu povo o nosso apoio e solidariedade e fazemos um chamado para respeitar a democracia e o Estado de direito".
A presidente de Honduras, país que atualmente detém o mandato rotativo da Comunidade dos Estados latino-americanos e Caribenhos (Celac), Xiomara Castro, apelou "urgentemente aos presidentes dos países membros da Celac para que condenem o fascismo que hoje ataca a democracia na Bolívia e exijam o pleno respeito pelo poder civil e pela Constituição".
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, convidou "todo o povo boliviano à resistência democrática". "A América Latina deve unir-se em favor da democracia. A embaixada colombiana deve conceder refúgio aos perseguidos. Não haverá relação diplomática entre a Colômbia e a ditadura", escreveu ainda.
O presidente do Chile, Gabriel Boric, escreveu que não "podemos tolerar nenhuma quebra da ordem constitucional legítima na Bolívia ou em qualquer outro lugar".
A presidente eleita do México, Claudia Scheinbuam, disse que "o levantamento de algumas unidades das Forças Armadas da Bolívia é um atentado contra a democracia".
O Equador lamentou os "eventos ocorridos" na Bolívia, confiando que "uma solução pacífica será encontrada para esta grave situação". "O Equador deseja a vigência da democracia, do Estado de Direito e o respeito à ordem constitucional estabelecida", escreveu o Ministério das Relações Exteriores equatoriano.
O Peru condenou firmemente no X "a tentativa de ruptura constitucional" na Bolívia, ao mesmo tempo em que apoiou Arce e "os esforços institucionais para preservar a ordem e o Estado de direito".
Menos alinhado ideologicamente ao governo de Arce, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, também condenou os eventos. "Fazemos um chamado enérgico para respeitar a democracia e o Estado de Direito", escreveu.
O governo da Guatemala condenou "da forma mais enérgica" o que aconteceu na Bolívia, expressando sua solidariedade tanto ao país quanto ao seu presidente. "Esperamos que logo se restabeleça a ordem constitucional legítima na Bolívia", indicou em um comunicado.
Posição semelhante adotou o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que disse que os acontecimentos foram "levados a cabo por um setor das suas Forças Armadas que ameaça a sua ordem democrática e constitucional".
A Organização dos Estados Americanos declarou que "não tolerará qualquer forma de quebra da ordem constitucional" na Bolívia.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, imediatamente denunciou um "golpe de Estado".
— Presidente Lucho Arce, convoque o povo, apenas o povo salva o povo. Alerta, Bolívia! — afirmou.