O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que preside o Conselho de Segurança das Nações Unidas, tenta intermediar um cessar-fogo entre israelenses e palestinos, cuja nova fase de conflito gerou mais de 2 mil mortes em cerca de uma semana. Um dos dilemas é saber quem fará a representação palestina.
É que o grupo Hamas, que administra a Faixa de Gaza (o local dos combates), é considerado terrorista por muitos integrantes do conselho e, perante a ONU, não é reconhecido como governante. O representante dos territórios palestinos, formalmente, é a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que administra outra parte do território palestino, a Cisjordânia.
Os palestinos estão divididos em dois territórios e dois governos, ambos se dizendo os legítimos representantes do seu povo, sintetizam especialistas ouvidos pelos repórteres de GZH Bruna Oliveira e Humberto Trezzi. E o diálogo de ambas as representações com os israelenses está longe de ser efetivo — no caso do Hamas, essa relação sequer existe, porque esse partido islâmico não reconhece a existência de Israel como país e os israelenses o classificam como terrorista.
Divisão dos palestinos
Dois grandes partidos
Ao longo do século 20 a maioria dos palestinos estava organizada em torno da Organização para Libertação da Palestina (OLP), coalisão de grupos que desencadearam guerrilhas contra a presença de Israel nos territórios. A entidade era não-religiosa, nacionalista e de centro-esquerda, com abrigo para algumas ideias socialistas, comenta Eduardo Svartman, professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A partir dos anos 2000 houve perda de capacidade política da OLP em favor de organizações muçulmanas, com marcante componente religioso. É o caso do Hamas, que protagonizou o ataque de sábado passado, e de outros menores, como a Jihad Islâmica.
O status dos dois principais grupos palestinos é diferente, tanto em nível interno como mundial. O grupo Fatah, ligado à OLP, é majoritário na Cisjordânia e lidera a chamada Autoridade Nacional Palestina (ANP), que tem um grau de interlocução mínimo com Israel. Pelos acordos de Oslo, assinados em 1993, a OLP admitiu direito dos israelenses a parte do território, desde que esses admitam a Palestina como país. A ANP foi reconhecida pelas Nações Unidas.
Já o Hamas, um partido muçulmano, não aceita a existência de Israel e luta pelo desaparecimento desse país, "o que torna as coisas bastante complicadas", sintetiza Svartman. O grupo não dialoga com os israelenses. É reconhecido apenas por alguns países, sobretudo os com maioria muçulmana, como o Catar e o Irã.
O Hamas e a Fatah (braço armado da ANP) até já lutaram entre si pelo controle dos territórios palestinos, em 2007. A saída para evitar uma guerra civil mais prolongada foi o Hamas passar a dominar a Faixa de Gaza, e a Fatah a Cisjordânia.
Essa fragmentação no processo representativo palestino, fruto de uma disputa de poder interna, acaba se refletindo externamente, analisa Bruno de Lima Rocha, jornalista, doutor em ciência política e professor de relações internacionais e professor na Faculdade São Francisco (Unifin) de Porto Alegre.
— O Hamas é um partido político com autoridade legal no território palestino. Hoje seriam duas autoridades a conversar — salienta o professor.
O problema, nesse caso, é que nem o Ocidente nem Israel aceitam o Hamas. João Jung, professor do curso de Relações Internacionais da PUCRS, acrescenta:
— Como está a situação hoje, não vai existir uma conversa ou solução pacífica. É diferente de Rússia e Ucrânia, em que se sabe quem pode se sentar à mesa para conversar, apenas não há vontade política.
Sílvia Ferabolli, professora de Relações Internacionais da UFRGS, ressalta que a Fatah não fala em nome do Hamas e vice-versa.
— Nos lugares onde o Estado é fraco, grupos falam e se formam em nome deles mesmos. Israel quer culpar o Irã, porque se recusa a dialogar com uma organização que a abalou militarmente, que não é um Estado, mas que governa um território, o Hamas — resume a professora.
Objetivos do Hamas
Os estudiosos ouvidos por GZH ainda tentam entender os objetivos estratégicos do Hamas com os atos de terror praticados no fim de semana. Para Svartman, a intenção do grupo muçulmano é frear o processo de normalização das relações de Israel com os demais países árabes. No passado foram firmados acordos de paz dos israelenses com Egito e Jordânia, além de um entendimento com governos no Líbano para evitar guerras. E estão em andamento negociações de Israel com Bahrein e com a Arábia Saudita. Com tudo isso, na visão do Hamas, a agenda palestina ficou esquecida.
É consenso entre os entrevistados por GZH que os ataques do Hamas já desencadearam resposta violenta de Israel, como é tradição na região. A resposta aos ataques palestinos é extremamente dura, com bombardeio e cerco. Ainda mais porque a coalizão de extrema-direita que governa Israel tem um discurso de não negociar com os árabes. A dúvida é se funcionará o acordo interno feito entre o primeiro-ministro Netanyahu e a oposição.