
Agentes do FBI (polícia investigativa dos Estados Unidos) prenderam, na quinta-feira (13), um membro da Guarda Nacional de 21 anos suspeito de estar por trás de um grande vazamento de documentos confidenciais do governo daquele país, incluindo material sigiloso sobre a guerra na Ucrânia.
Transmitida ao vivo pelas emissoras de televisão, a prisão foi o ponto culminante de uma investigação de uma semana, alimentada pela cobertura da imprensa sobre um dos vazamentos mais prejudiciais de informações confidenciais desde a divulgação de documentos da Agência de Segurança Nacional em 2013 por Edward Snowden.
Em coletiva de imprensa, o procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, identificou o suspeito como Jack Teixeira, um membro da Guarda Nacional da Força Aérea dos EUA e administrador de um grupo de bate-papo online onde surgiram pela primeira vez os documentos.
Teixeira foi detido "sem incidentes" por agentes do FBI "em conexão com uma investigação sobre a suposta extração, retenção e transmissão não autorizada de informações confidenciais de defesa nacional", disse Garland.
Imagens da operação em North Dighton, em Massachusetts, mostraram o suspeito, de bermuda vermelha e camiseta, com as mãos atrás da cabeça, recuando lentamente na direção dos agentes fortemente armados e camuflados antes de ser detido.
O Gabinete da Guarda Nacional dos Estados Unidos disse que Teixeira se alistou em setembro de 2019 e é um especialista em tecnologia da informação e comunicação que alcançou o posto de aviador de primeira classe, o terceiro mais baixo para membros da Força Aérea.
Teixeira deve comparecer ao tribunal federal do Distrito de Massachusetts nesta sexta-feira (14).
"Ato criminoso deliberado"
O Pentágono disse que o vazamento representa um risco "muito sério" para a segurança nacional dos Estados Unidos e seu porta-voz, Pat Ryder, classificou-o como um "ato criminoso deliberado".
O Departamento de Defesa está "revisando e atualizando listas de distribuição, avaliando como e onde a inteligência é compartilhada", afirmou Ryder a repórteres.
A prisão de Teixeira acontece um dia após o The Washington Post informar que um homem que trabalhava em uma base militar americana havia publicado centenas de páginas de documentos na plataforma de bate-papo online Discord.
Segundo o The New York Times, um "rastro de evidência digital" apontava Teixeira como o administrador de um grupo chamado Thug Shaker Central no Discord.
Os documentos vazados revelaram preocupação sobre a viabilidade de uma próxima contraofensiva das forças ucranianas contra as tropas russas, assim como sobre as defesas aéreas da Ucrânia, e deram sinais de espionagem de aliados, como Israel e Coreia do Sul, por parte dos Estados Unidos.
"Preocupado"
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, comentou os vazamentos durante uma visita à Irlanda e se disse "preocupado". O suspeito, que se identificava como OG no Discord, publicava regularmente documentos no grupo de bate-papo há meses, segundo a imprensa.
O grupo de cerca de 24 pessoas, inclusive da Rússia e Ucrânia, se uniu por sua "paixão mútua por armas, equipamento militar e Deus" e formou um "clube no Discord apenas para convidados em 2020", destacou o Post, que, assim como o Times, citou membros não identificados do Thug Shaker Central.
OG disse aos membros do grupo que passava parte do dia "dentro de uma instalação segura que proibia os telefones celulares e outros dispositivos eletrônicos", segundo o Post.
Primeiro transcreveu o conteúdo dos documentos classificados para compartilhar com o grupo, mas logo começou a tirar fotos e pedir aos demais membros que não as compartilhassem, destacou o periódico.
OG tinha uma "visão sombria do governo" e "falava dos Estados Unidos, e particularmente das forças de ordem e do serviço de inteligência, como forças sinistras que tentavam reprimir os cidadãos e mantê-los na escuridão", acrescentou o Post, citando um dos membros do grupo.
Um porta-voz do Discord disse à Agence France-Presse (AFP) que a segurança dos usuários é uma prioridade e que conteúdos que violam suas políticas podem acarretar usuários banidos, servidores interrompidos e alertas à polícia.
— Em relação à aparente violação de material confidencial, estamos cooperando com as forças de ordem. Como a investigação está em andamento, não podemos fazer mais comentários neste momento — declarou.
Conteúdo dos documentos
Muitos documentos estão relacionados com a guerra na Ucrânia. Um deles traz informações sobre o estado do conflito no início de março, incluindo baixas russas e ucranianas, enquanto outro detalha a situação em frentes específicas, como na cidade de Bakhmut, um dos principais campos de batalha.
Outro documento dá informações sobre as defesas aéreas da Ucrânia, que têm sido fundamentais para proteger o país dos ataques com mísseis e aviões não tripulados russos. Outro documento mostra detalhes sobre os esforços internacionais para fortalecer as forças militares de Kiev.
Também há documentos que não estão relacionados à Ucrânia. Alguns, por exemplo, apontam para a vigilância americana de seus aliados, como um que indica que os líderes da agência de inteligência israelense Mossad defenderam protestos internos contra um controverso plano de reforma judicial israelense que daria aos legisladores substancialmente mais controle sobre a Suprema Corte.
São genuínos?
O Pentágono diz que trabalha para "avaliar a autenticidade dos documentos fotografados que circulam nas redes sociais", mas admitiu que "parecem conter material confidencial altamente sensível".
Pelo menos um documento parece ter sido adulterado para dizer que a Ucrânia sofreu mais baixas do que a Rússia, quando a aparente versão original dizia o contrário.
Mas, segundo os relatórios, as autoridades americanas acreditam que muitos dos documentos são genuínos.
Qual o possível impacto do vazamento?
O impacto do vazamento poderia ser significativo, colocando em risco as fontes de inteligência americanas e também dando à Rússia informações valiosas sobre o estado das Forças Armadas ucranianas.
Os documentos relacionados a aliados dos Estados Unidos também podem ser uma fonte de embaraço diplomático, pois detalham a vigilância americana de países com os quais Washington mantém laços estreitos.
Onde surgiram os documentos?
Os documentos foram publicados em várias plataformas de redes sociais e outros sites, incluindo Twitter, 4Chan e Discord. Mas muitos deles não estão mais disponíveis onde apareceram pela primeira vez, e os Estados Unidos continuam trabalhando para removê-los.
A mídia independente Bellingcat investigou onde os documentos apareceram pela primeira vez e relatou que alguns podem ter estado online já no ano passado.
Alguns foram postados no Discord, uma popular plataforma de bate-papo para jogadores de videogame, em canais para fãs de uma celebridade do YouTube e jogadores do jogo de computador "Minecraft", de acordo com o Bellingcat.