A Escócia não pode convocar legalmente um novo referendo sobre a sua independência do Reino Unido sem o acordo do poder central em Londres, decidiu o Supremo Tribunal britânico nesta quarta-feira (23), complicando os planos do Executivo autônomo da nacionalista Nicola Sturgeon.
O poder de organizar uma consulta deste tipo está reservado ao Parlamento do Reino Unido e, por isso, "o Parlamento da Escócia não tem capacidade para legislar sobre um referendo de independência", afirmou o presidente da mais alta instância jurídica do país, Robert Reed, lendo uma sentença definida por unanimidade em apenas seis semanas.
A primeira-ministra Sturgeon declarou-se "decepcionada" com uma decisão que na sua opinião "não faz a lei, apenas a interpreta".
"Uma lei que não permite que a Escócia escolha seu próprio futuro sem o consentimento de Westminster destaca que qualquer noção de que o Reino Unido é uma associação voluntária é um mito e reforça a necessidade de um referendo sobre autodeterminação", afirmou Sturgeon, no Twitter.
O Partido Nacional Escocês (SNP), liderado por Sturgeon, que governa esta nação britânica de 5,5 milhões de habitantes no norte do Reino Unido, quer organizar uma votação consultiva com a pergunta: "A Escócia deve ser um país independente?". O plebiscito já teria data: 19 de outubro de 2023.
No entanto, o partido afirma querer "um referendo legal", para evitar um conflito como o vivido na Espanha em 2017 devido à consulta realizada na Catalunha, apesar da proibição da Justiça espanhola.
O Executivo central de Londres recusa categoricamente, argumentando que a Escócia já organizou um referendo de autodeterminação em 2014, razão pela qual o SNP procurou se valer de um marco jurídico próprio, aprovado pela câmara regional escocesa.
Antecipando uma árdua batalha jurídica, a Lord Advocate Dorothy Bain, representante legal do Executivo escocês, pediu ao Supremo Tribunal há seis semanas que se pronunciasse sobre a legalidade deste projeto.
O Reino Unido se pronunciou nesta quarta-feira (23) e pediu ao Executivo regional escocês que se concentre "nas questões que mais importam para o povo da Escócia".
— Notamos e respeitamos a decisão unânime do Supremo Tribunal hoje (quarta) — disse Alister Jack, ministro do Reino Unido para a Escócia. — Os escoceses querem que seus governos (em Edimburgo e Londres) se concentremnas questões que mais importam — acrescentou.
Voltar à União Europeia
No referendo de 2014, organizado com o acordo do governo conservador britânico de David Cameron, 55% dos escoceses votaram para permanecer no Reino Unido. O principal argumento contra a secessão era que deixaria a Escócia fora da União Europeia.
Mas, paradoxalmente, dois anos depois o referendo sobre o Brexit — contra o qual votaram 62% dos escoceses — acabou retirando a região do bloco justamente por ter permanecido no Reino Unido.
Sturgeon e o seu partido defendem que isso mudou completamente a situação e consideram que têm um "mandato indiscutível" para organizar uma nova consulta graças à maioria no parlamento regional, a primeira da história de deputados pró-independência. O SNP venceu as eleições legislativas de 2021 com a promessa de realizar uma nova consulta jurídica assim que a pandemia de covid-19 fosse superada.
As pesquisas mostram que os escoceses estão quase igualmente divididos a favor e contra a separação do Reino Unido, principalmente com o desejo de voltar à União Europeia.
O "direito à autodeterminação é um direito fundamental e inalienável", defendeu o governo escocês em outubro, usando como escudo uma legislação internacional que, segundo o Supremo Tribunal britânico, não se aplica a este caso.
Por sua vez, os advogados do Executivo britânico argumentaram perante os juízes, como já aconteceu na Espanha com o projeto de independência da Catalunha, que a Escócia não pode agir unilateralmente em um assunto que diz respeito a todo o país. E o Supremo lhes deu razão.
Embora os nacionalistas escoceses prometam organizar uma votação puramente consultiva, Londres estaria sob grande pressão para autorizar a independência se fosse conquistada por uma maioria considerável.
O SNP já anunciou que, caso a Justiça não concorde com eles, planeja transformar as próximas eleições legislativas, marcadas para 2024 ou 2025, em um plebiscito de fato, fazendo campanha apenas sobre esse tema.