A Promotoria ucraniana solicitou, nesta quinta-feira (19), a pena de prisão perpétua contra um militar russo no primeiro julgamento de crime de guerra na Ucrânia, no qual o sargento de 21 anos pediu perdão pelo assassinato de um civil nos primeiros dias da invasão.
No segundo dia de audiências, a Promotoria pediu a pena máxima para Vadim Shishimarin que, em 28 de fevereiro, matou a tiros Oleksandre Chelipov, um homem de 62 anos, no nordeste do país.
O réu, que reconhece os fatos e disse ter obedecido a outro soldado russo, não reagiu ao pedido da Promotoria. A audiência foi então suspensa e será retomada na sexta-feira (20) com o argumento de defesa.
Mais cedo, o jovem soldado se viu cara a cara com a viúva de sua vítima.
— Você tem remorso pelo crime que cometeu? — perguntou Katerina Chelipova.
— Sei que você não poderá me perdoar, mas ainda assim peço seu perdão — respondeu o soldado.
— Mas por que você veio aqui? Para nos libertar do quê? O que meu marido fez para você? — explodiu a mulher.
Shishimarin se justificou pelas "ordens" recebidas e a conversa não foi adiante.
No dia do assassinato, ele estava na região de Sumy com uma coluna de veículos blindados. Após ser atacado pelas forças ucranianas, roubou um carro com outros quatro soldados.
— Queríamos voltar para onde nosso exército estava posicionado, na Rússia — explicou — Enquanto estávamos dirigindo, vimos um homem falando ao telefone.
Segundo ele, um dos soldados do veículo pediu que ele atirasse para que não fossem denunciados. Shishimarin garantiu que inicialmente recusou. Mas outro soldado, segundo ele, insistiu:
— Ele me disse em tom firme para atirar, que se eu não o fizesse, estaríamos em perigo.
Pressionado pelo promotor, Shishimarin admitiu, porém, que este homem não era seu superior e que não era obrigado a obedecê-lo.
"Falsas", segundo o Kremlin
O drama aconteceu perto da casa de Chelipov, no final da manhã, e sua esposa foi testemunha.
— Eu tinha ido tirar água do poço quando ouvi tiros — contou no tribunal. — Abri o portão, vi o carro (...) e este jovem armado com uma AK-47.
Quando ela saiu de casa, viu seu marido com a cabeça sangrando.
— Comecei a gritar muito alto — contou.
Sua voz, que até então permanecera firme, falhou ao descrever o marido:
— Ele era meu protetor. Era muito gentil, todos os vizinhos o respeitavam.
Apesar de sua angústia, Chelipova disse que não se opõe a uma possível troca entre o assassino de seu marido e prisioneiros ucranianos.
— Eu não me importaria se ele fosse trocado por um dos garotos de Azovstal — disse ela, referindo-se aos soldados ucranianos que permaneceram por semanas entrincheirados na siderúrgica em Mariupol e que finalmente se renderam nos últimos dias.
O processo contra Shishimarin tem grande importância simbólica para Kiev. De acordo com o Ministério Público ucraniano, o país abriu mais de 12 mil investigações de crimes de guerra desde 24 de fevereiro, o início da invasão russa. O caso mais emblemático é o da cidade de Bucha, nos arredores de Kiev, depois que as tropas russas recuaram do front de batalha para focar as ações no leste. Centenas de corpos foram encontrados em valas comuns e nas ruas da cidade.
A Justiça internacional também trabalha arduamente, tendo o Tribunal Penal Internacional enviado 45 peritos para recolher provas.
Moscou, por sua vez, nega qualquer abuso. Na quarta-feira (18), o porta-voz presidencial, Dmitry Peskov, chamou as acusações contra as tropas russas de "falsas ou encenadas". Quanto a Shishimarin, disse:
— Não temos informações até o momento, e as possibilidades de ajudá-lo são muito limitadas na ausência de representação diplomática.
Ucrânia marca julgamento de mais dois militares da Rússia por crimes de guerra
As autoridades ucranianas apresentaram acusações de crimes de guerra contra mais dois soldados russos e marcaram o início do julgamento para esta quinta-feira (19). Os promotores ucranianos afirmam que os dois soldados operavam um lançador de foguetes que disparou contra civis na região de Kharkiv. A arma estava montada em um caminhão. Um dos soldados supostamente dirigia o veículo, enquanto o outro atirava.
Eles serão julgados na região de Poltava, no centro da Ucrânia, a sudoeste de Kharkiv. Será o segundo caso de crime de guerra contra russos em algumas semanas e faz parte do esforço da polícia ucraniana em responsabilizar supostas atrocidades cometidas durante a invasão.
Uma das preocupações de especialistas com relação aos julgamentos de crimes de guerra feitos pela Ucrânia contra os russos é a neutralidade do processo. Ativistas afirmam que é difícil mantê-la durante uma guerra e dizem monitorar os julgamentos para garantir a proteção aos direitos legais.
— É surpreendente que um suspeito de crimes de guerra tenha sido encontrado e o julgamento dele aconteça. Acusações desse tipo geralmente são feitas à revelia (quando o suspeito não está presente no julgamento) — disse Volodmir Yavorski, coordenador do Centro de Liberdades Civis em Kiev.
Vadim Karasev, analista político independente que reside em Kiev, afirmou que é importante que as autoridades ucranianas demonstrem que os crimes de guerra serão resolvidos e os responsáveis serão levados à Justiça de acordo com os padrões internacionais.
Embora a velocidade com que soldados russos estejam sendo levados a um tribunal seja incomum para uma nação em guerra, há precedentes. Um soldado sérvio-bósnio, Borislav Herak, foi preso por soldados do Exército bósnio em novembro de 1992 depois de se afastar por acidente do território controlado pelos sérvios. Durante o interrogatório e o julgamento de três semanas, ocorrido em março de 1993, ele confessou 35 assassinatos e 14 estupros e foi condenado à morte por genocídio e crimes contra civis. Posteriormente, a sentença foi reduzida para 20 anos de prisão, porque a Bósnia aboliu a pena de morte.
Senad Kreho, que serviu como presidente de um tribunal militar distrital em Sarajevo em 1993, disse na última sexta-feira (13) que colocar suspeitos de crimes de guerra em julgamento enquanto os combates acontecem não significa que o sistema de Justiça não funcionará adequadamente.
— Várias revisões subsequentes do caso (de Herak) por especialistas jurídicos internacionais e nacionais descobriram que ele recebeu um julgamento justo — disse Kreho. — A única mudança foi que sua sentença foi reduzida, mas ele a cumpriu integralmente.
A procuradora-geral da Ucrânia disse na sexta-feira que prepara acusações de crimes de guerra contra 41 soldados russos. Os casos envolvem bombardeios a infraestrutura civil, morte de civis, estupros e saques.
— Temos 41 suspeitos em casos que estaremos prontos para ir ao tribunal. Todos eles dizem respeito ao artigo 438 do Código Penal (ucraniano) sobre crimes de guerra, mas a diferentes tipos de crimes — disse Irina Venediktova.
Não está claro quantos serão julgados à revelia.
Com agências internacionais.