Paul Rusesabagina, cuja história inspirou o filme "Hotel Ruanda" e que se tornou um crítico ferrenho do regime do presidente Paul Kagame, foi condenado nesta segunda-feira (20) a 25 anos de prisão por "terrorismo", ao final de um julgamento classificado como "político" por seus simpatizantes.
A promotoria havia exigido uma pena equivalente à prisão perpétua, mas a juíza Beatrice Mukamurenzi destacou que a pena de Rusesabagina "deveria ser reduzida para 25 anos", por ser a primeira contra ele.
"O tribunal conclui que o papel de Rusesabagina na criação da FLN, fornecendo fundos aos rebeldes e comprando mídia para os rebeldes constitui crime de terrorismo", Mukamurenzi, um dos três magistrados da corte de Kigali, havia dito pouco antes.
"Ele fundou uma organização terrorista e contribuiu financeiramente para atividades terroristas", acrescentou.
Foi detido em condições controversas em Kigali, em agosto de 2020. E, de de fevereiro a julho deste ano, este ferrenho opositor de Kagame foi julgado com outras 20 pessoas, por nove acusações, incluindo terrorismo.
Em 2017, Rusesabagina participou da fundação do Movimento de Ruanda pela Mudança Diplomática (MRCD), do qual a FLN é considerada o braço armado. Sempre negou, no entanto, qualquer envolvimento nos ataques.
- "Um espetáculo" -
Nem o réu, que pode apelar da decisão, nem seus advogados estavam presentes durante a leitura do veredicto. Eles boicotaram as audiências a partir de março, quando denunciaram um processo "político", possível apenas por seu sequestro organizado pelas autoridades ruandesas. Também denunciaram o tratamento humilhante durante sua detenção.
Sua família e seus simpatizantes afirmam que o julgamento é "um espetáculo montado pelo governo de Ruanda para silenciar um crítico e impedir qualquer dissidência futura".
Carine Kanimba, filha do réu interrogada na Bélgica pela AFP, acusou o presidente Paul Kagame de ter "decidido" a sentença de seu pai, o que "não a surpreende", já que ele havia sequestrado seu pai, e disse diante de sua televisão que tinha "mãos manchadas de sangue".
A Bélgica, onde Rusesabagina residiu, expressou preocupação com este processo em várias ocasiões.
Após a sentença, o executivo belga afirmou que o acusado não beneficiou de um "julgamento justo ou equitativo; nomeadamente no que diz respeito aos direitos de defesa", nas palavras da ministra de Relações Exteriores, Sophie Wilmès.
Os Estados Unidos, que concederam a Rusesabagina a Medalha Presidencial da Liberdade em 2005, o Parlamento Europeu e a Bélgica expressaram preocupações com a legitimidade do julgamento.
Em uma entrevista recente, o presidente de Ruanda respondeu às críticas e declarou que Rusesabagina "seria julgado da maneira mais justa possível".
Este processo "não tem nada a ver com o filme, ou seu status de celebridade. Trata das vidas perdidas dos ruandeses por suas ações e pelas organizações, às quais pertencia, ou dirigia", afirmou Kagame.
Rusesabgina acusa o presidente de autoritarismo e de promover o sentimento anti-hutu.
Desde 1996, viveu exilado nos Estados Unidos e na Bélgica, onde obteve a nacionalidade do país europeu, até ser detido em Kigali em 2020, quando viajava de avião para o Burundi.
O governo de Ruanda admitiu ter "facilitado a viagem" a Kigali, mas afirmou que a prisão foi "legal" e que "seus direitos nunca foram violados".
No julgamento, que durou cinco meses, testemunhos contraditórios sobre seu papel foram registrados.
Um porta-voz da FLN afirmou que Rusesabgina "não deu ordens aos combatentes" do grupo rebelde. Outro réu alegou que ordens procediam do ex-gerente de hotel.
Sua notoriedade em Hollywood provocou críticas. Alguns sobreviventes do Hotel Mille Collines reprovam-no, em particular, por se aproveitar de sua desgraça e até mesmo por destacar seu papel no resgate de mais de mil pessoas.
Ele usou sua fama para dar ressonância global às suas posições cada vez mais virulentas contra Kagame, o que provocou ataques de partidários do governo.
* AFP