Entre as novidades do novo gabinete de ministros anunciado pelo presidente da Argentina, Alberto Fernández, para contornar a crise com a vice, Cristina Kirchner, está o governador de Tucumán, Juan Manzur, como chefe de gabinete. A medida foi criticada pelo movimento feminista do país, já que o peronista é apontado como um conservador que se opôs à legalização do aborto, uma das bandeiras de campanha de Fernández.
— Nestes dias, fomos chamadas a evocar a memória feminista ante à nomeação de Juan Manzur. Na província que ele governa desde 2015, a Lei Nacional de Educação Sexual não é cumprida integralmente — disse Laura Salomé, que integra a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal.
Segundo Martín Correa, dirigente da Frente de Esquerda Unidade em Tucumán, o novo chefe de gabinete de Fernández sempre foi contrário à legalização do aborto, sem importar a causa da gravidez.
— Aqui em Tucumán, ficou muito conhecido o caso de uma menina de 11 anos que foi violentada por um familiar, ficou grávida e foi obrigada a ter o bebê, tudo isso com o apoio de Manzur — contou Correa.
O então governador apoiou a família publicamente na decisão de levar adiante a gravidez da menina, apesar dos riscos para sua saúde.
— Estas decisões políticas têm impacto na qualidade de vida, principalmente das mulheres e das pessoas com capacidade de gestação que se vêm violadas em seus direitos à igualdade de acesso à educação e saúde — afirmou Salomé.
Segundo Martin Correa, Manzur participou de muitas marchas "pró-vida" em Tucumán. "Sua nomeação é algo muito chamativo em um governo que se define como progressista", observou.
Fernández foi eleito em 2019 com a pauta de ampliação dos direitos ao aborto em seu programa de governo. A legislação foi aprovada no fim do ano passado pelo Congresso.
Nos últimos dias, o presidente foi criticado também por ter designado somente ministros homens. Em forma de resposta, ele se reuniu com a ministra da Mulher e Gênero, Eli Gómez Alcorta, e pediu que ela elabore um decreto que promova a igualdade de gênero nas nomeações de servidores públicos.
O governo Fernández está imerso em uma grave crise política desde a derrota no fim de semana nas primárias para a eleição legislativa de meio de mandato — que na Argentina, por seu caráter obrigatório, serve como um termômetro muito preciso do humor do eleitorado para as eleições de novembro.
Insatisfeita com a derrota, Cristina publicou uma carta durante a semana pedindo mudanças no governo. Ao menos cinco ministros ligados a ela entregaram seus cargos.
Dentre as sugestões da vice - articuladora política e madrinha eleitoral de Fernández - constava justamente o nome de Juan Manzur para ocupar o cargo, que equivale à chefia da Casa Civil no Brasil.
Além disso, ela criticou duramente o porta-voz da presidência, Juan Pablo Biondi, que foi apontado como uma espécie de bode expiatório do escândalo criado por uma foto em que Fernández aparece comemorando o aniversário da primeira-dama, Fabiola Yáñez, ao lado de pelo menos 10 convidados, em um momento que vigoravam severas restrições para conter a pandemia de covid-19.
O vazamento da imagem, divulgada dias antes das primárias, foi classificado por Cristina como uma prova de que Biondi participaria de operações midiáticas contra o governo.
Apesar das queixas sobre a condução da crise econômica e da renegociação da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), nenhuma dos ministros relacionados à economia foi trocado pelo chefe do Executivo.
Além da troca do chefe de gabinete, Fernández anunciou novos ministros de Segurança, Aníbal Fernández, homem forte do kirchnerismo; da Agricultura, Julián Domínguez; da Ciência e Tecnologia, Daniel Filmus; da Educação, Jaime Perzyck, e de Relações Exteriores, Santiago Cafiero, aliado de primeira hora de Fernández que perdeu a chefia de gabinete.
— O povo espera ter uma resposta e é preciso trabalhar para dar essa resposta. O Estado na Argentina, o governo, é que deve dar uma resposta às demandas populares, e é isso que temos de fazer daqui a novembro — diz Perzyck.
Os aliados de Fernández esperam que a situação de reverta. A perda no pleito da semana passada foi de quase 4 milhões de votos em comparação ao obtido na eleição anterior.
— Essa é uma mensagem crítica, uma chamada de atenção, o chamado voto castigo — diz Hugo Yasky, secretário-geral da Central de Trabalhadores da Argentina.
— O caudal eleitoral do governo manteve-se igual, de tal forma que está claro que é uma chamada de atenção — afirmou.