O presidente francês, Emmanuel Macron, disse nesta quinta-feira (27) em Ruanda que reconhece "as responsabilidades" da França no genocídio de 1994 neste país africano, em um discurso pronunciado no memorial de Kigali.
O presidente ruandêss, Paul Kagame, agradeceu a "imensa coragem" do líder francês, enquanto o diretor da principal organização de sobreviventes, Egide Nkuranga, lamentou que Macron "não tenha apresentado verdadeiramente desculpas em um discurso pronunciado em nome do Estado francês e que nem sequer tenha pedido perdão".
Em um discurso solene no memorial de Kigali, que recorda os mais de 800.000 mortos que foram massacrados entre abril e julho de 1994, Macrou disse que a França "não foi cúmplice", mas permitiu "por tempo demais que o silêncio prevalecesse sobre o exame da verdade".
"Apenas aqueles que cruzaram a noite poderão talvez nos perdoar, dar-nos o presente do perdão", completou Macron.
A visita oficial a Ruanda havia sido anunciada como "o passo final na normalização das relações" entre ambos os países, após mais de 25 anos de tensões.
Macron e Kagame se comprometeram a retomar as relações "poderosas e irreversíveis" entre França e Ruanda.
O presidente francês anunciou a nomeação em breve de um embaixador em Kigali, posto que está vago desde 2015.
Além disso, Macron se comprometeu a que "nenhuma pessoa suspeita de crimes de genocídio possa escapar da justiça".
- 'Com humildade e respeito' -
"Hoje aqui, com humildade e respeito, venho reconhecer nossas responsabilidades", disse Macron no discurso pronunciado após uma visita ao museu do memorial sobre o genocídio, cujas vítimas foram em sua maioria tutsis.
"Reconhecer este passado é também, e acima de tudo, continuar o trabalho da Justiça. Comprometemo-nos a garantir que nenhum suspeito de crimes de genocídio possa escapar do trabalho dos juízes", acrescentou.
Macron frisou, no entanto, que a França "não foi cúmplice".
Egide Nkuranga, da associação Ibuka, reconheceu que Macron "tentou realmente explicar o genocídio e a responsabilidade da França. É muito importante, demonstra que nos entende".
O papel da França antes, durante e depois do genocídio de Ruanda é um tema sensível há anos, e chegou a provocar o rompimento das relações diplomáticas entre Paris e Kigali entre 2006 e 2009.
Um relatório de historiadores publicado em março e coordenado por Vincent Duclert concluiu que a França tinha "responsabilidades pesadas e avassaladoras" e que o então presidente socialista François Mitterrand e seu entorno foram "cegados" pela deriva racista e genocida do governo hutu, então apoiado por Paris.
No Memorial do Genocídio, repousam os restos mortais de 250.000 vítimas de uma das tragédias mais sangrentas do século XX.
Com este discurso, Macron vai mais longe que seus antecessores, em particular Nicolas Sarkozy, o único presidente francês a ter viajado para Kigali desde o genocídio de 1994. Sarkozy reconheceu "graves erros" e "uma forma de cegueira" das autoridades francesas, que tiveram consequências "absolutamente dramáticas".
- 'Normalização'
Para o presidente Kagame, que liderou a rebelião tutsi que pôs fim ao genocídio, o relatório dos historiadores marcou uma mudança de rumo nas relações entre ambos os países.
Durante visita à França na semana passada, Kagame declarou que o informe abriu o caminho para que França e Ruanda tenham "uma boa relação".
"Posso viver com as conclusões do relatório", disse Kagame em entrevista aos veículos France 24 e RFI.
"Podemos deixar o resto para trás e seguir em frente", acrescentou.
Macron também tinha a previsão de inaugurar um Centro Cultural Francófono em Kigali, um estabelecimento que "terá a vocação de promover não apenas a cultura francesa, mas também todos os recursos da francofonia, especialmente os artistas da região", segundo a Presidência.
A delegação francesa também compareceu ao país com 100.000 doses de vacinas contra a covid-19.
Depois de Ruanda, Macron segue para a África do Sul, onde se reunirá com o presidente Cyril Ramaphosa para abordar a luta contra a pandemia de coronavírus19 e seu impacto na economia mundial.
* AFP