Na Síria, na Líbia e mais recentemente no Sudão, os revolucionários árabes começaram a ostentar bandeiras da era da independência em seus países, atacando as mais recentes como "símbolos de ditaduras", que querem derrubar.
— Na Síria e na Líbia, as bandeiras (atuais) são mais marcas do regime do que símbolos nacionais, e é por isso que viraram alvos — explicou Gilbert Achcar, professor da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres.
Quando os líbios se levantaram contra Muammar Kadhafi, em 2011, eles rejeitaram a bandeira integralmente em verde que o ditador tinha adotado em 1977. Em 2011, os manifestantes queimaram a bandeira de Kadhafi nas ruas e adotaram espontaneamente a da monarquia líbia, que governou o país após a independência, em 1951, até o rei Idris I ser deposto por Kadhafi em 1969.
Mas o retorno à bandeira usada pela monarquia "não tem nada a ver com uma nostalgia pela monarquia", disse Achcar.
— Foi mais uma rejeição a Kadhafi.
A maioria dos líbios nunca viveu sob qualquer regime diferente daquele do veterano ditador, mas eles adotaram de forma entusiasmada a bandeira da independência — que exibe uma estrela branca e o crescente islâmico com faixas coloridas, representando as regiões de Fezzan (vermelho) no topo, Cyrenaica (preto) e Tripolitânia (verde).
Para um ativista anti-Kadhafi que pediu para não ser identificado, "foi o símbolo mais poderoso da revolução de 17 de fevereiro". Cautelosos com os agentes de Kadhafi, os manifestantes confeccionaram as bandeiras clandestinamente, cuidadosamente comprando cada cor de tecido em lojas diferentes para evitar chamar atenção.
Alguns ativistas engenhosos conceberam a ideia de enrolar as bandeiras e congelá-las para, então, pendurá-las à noite em pontes para serem desfraldadas quando fossem descongeladas sob o sol da manhã.
Período democrático
Na Síria, a bandeira criada pelos combatentes pró-independência, em 1932, foi a adotada pela oposição a partir de junho de 2011. Ela também compreende três faixas de cores: o verde dos primeiros anos de regime muçulmano, o branco da dinastia omíada e o preto dos abássidas, uma dinastia árabe que governou o império islâmico de cerca de 750 d.C. até meados do século XIII.
As três estrelas atravessadas no meio representam os distritos de Damasco, Aleppo e Deir Ezzor. O regime de Assad, em comparação, mantém-se aferrada à bandeira em vermelho, branco e preto com duas estrelas verdes, introduzida em 1980 pelo falecido presidente Hafez al-Assad. Ele era o pai do atual presidente Bashar al-Assad, que se mantém no poder apesar da devastadora guerra civil que já dura uma década no país.
— Na Síria e na Líbia há dois fatores em jogo. Existia uma nostalgia dos anos 1950, considerados uma década de nacionalismo árabe relativamente liberal antes da grande virada autoritária dos anos 1960, e também o desejo de virar a página das ditaduras e alterar os símbolos que elas impuseram — disse Karim Emile Bitar, professor de ciência política da Universidade São José, em Beirute.
George Sabra, uma veterana personalidade política da oposição, que desempenhou um papel-chave no início do levante sírio, disse que a bandeira da independência lembrava às pessoas das relativas liberdades e o desenvolvimento econômico dos anos 1950.
— É a bandeira do período democrático na Síria, antes do início dos golpes e do Estado totalitário — afirmou.
Outras bandeiras também projetaram sua sombra na Síria durante o levante: os estandartes pretos dos jihadistas ligados à rede Al-Qaeda e do grupo Estado Islâmico, que chegou a chefiar um Estado proto-jihadista controlando milhões de pessoas na Síria e no vizinho Iraque.
Símbolo da liberdade
Apesar das mudanças na Líbia e na Síria, um país no coração dos levantes árabes manteve sua bandeira de 1952. O pavilhão em vermelho, branco e preto do Egito, com uma águia dourada do governante Saladino, do século XII, representando força e poder, foi mantido.
— Apesar de suas inclinações autoritárias, o regime nasserista, que tomou o poder na revolução de julho de 1952, continua a ser visto por muitos egípcios como uma revolta legítima contra uma monarquia corrupta e a interferência colonial — disse Bitar.
No vizinho Sudão, a primeira onda das revoltas árabes passou ao largo. Mas o país experimentou um levante em 2019, que forçou o veterano homem forte Omar al-Bashir a deixar o poder e reviveu o interesse pela bandeira usada pelo país na época da independência. Hoje, ela tremula sobre a casa de Sayyid Ismail al-Azhari, o líder do primeiro governo independente do Sudão, em 1956.
Ativistas da oposição cobriram o muro no entorno da construção com grafites apoiando a "revolução de dezembro de 2018".
A bandeira também tem três faixas horizontais: azul em alusão ao rio Nilo, o amarelo do deserto e o verde da agricultura. O então presidente Gaafar al-Nimeiri deixou de usá-la em 1970, em favor das cores do nacionalismo árabe. Mas Aisha Musa, membro do conselho soberano no poder no país, apoia o retorno da bandeira da independência.
— Esta bandeira simboliza a liberdade e, portanto, é apropriada, após a revolução, para nosso país em toda a sua diversidade étnica e cultural. Além disso, a bandeira atual está ligada a um golpe militar. Governos militares não são realmente valorizados neste país — disse ela.