Por Elizabeth Law
De Wuhan, China
Publicado originalmente no jornal The Straits Times, de Singapura
Na hora em que o trem saiu da Beijing West Station, na tarde de terça-feira, 7 de abril, fizeram-me três perguntas: quando eu havia entrado em Pequim (resposta: dia 10 de março), se havia completado minha quarentena (sim) e, por fim, se poderia mostrar meu passaporte (lá vamos nós...).
Tendo enchido minha bagagem com equipamento de proteção pessoal (roupas que escondem todo o corpo, óculos especiais, máscaras, luvas) e com múltiplas garrafas de água sanitária, eu estava pronta para revisitar Wuhan.
Desde minha última viagem para lá, no início de janeiro (ocasião em que escrevia sobre locais que reportavam "um novo vírus"), Wuhan, uma cidade de 11 milhões de habitantes, experienciou um trauma profundo e um estado de luto como o centro de propagação do coronavírus. Setenta e seis dias haviam se passado desde que as autoridades decretaram o lockdown da cidade, e, finalmente, pude partir novamente para lá, à meia-noite de 8 de abril.
Durante o surto, trens foram parados na cidade – faltou pouco para uma evacuação total; não havia forma de deixar Wuhan se você estivesse lá dentro.
Mas retornemos à minha viagem de volta ao epicentro da covid-19 na China. As estações de trem de Pequim são movimentadas, porém, silenciosas. A grande avenida que as pessoas pegam ao sair da estação da qual parti, onde pessoas com frequência são vistas às pressas para não perderem seus trens, estava praticamente deserta.
Andando pela Beijing West Station – que vem a ser a mais movimentada da capital chinesa e onde eu nunca havia entrado em um vagão sem um empurrão em meio à multidão –, pude perceber quase ninguém em volta. Todas as poucas pessoas presentes usavam máscaras e respeitavam o distanciamento mínimo entre elas.
Quando entreguei minha passagem, ao entrar no trem, fizeram-me as perguntas citadas no início deste texto. Uma agente sanitário também mediu minha temperatura nesse momento.
No trem, eu estava curiosa sobre quem eram as pessoas com as quais eu dividia a viagem. Quem estava indo a Wuhan comigo. No vagão à frente, encontrei uma família de quatro pessoas – mãe, pai e duas crianças de menos de sete anos. Elas me contaram que seu sobrenome era Zhang. Eles embarcaram em Shijiazhuang, uma cidade localizada à nordeste de Pequim, a uma hora de distância.
– Estávamos visitando parentes para o Ano-Novo Chinês quando veio o lockdown, então não pudemos voltar para casa – disse o senhor Zhang.
Uma mulher de 20 e poucos anos que não quis me dizer seu nome informou estar retornando da Inglaterra via Alemanha. Muitos outros com os quais conversei estava indo para Nanchang, destino final do trem após a parada em Wuhan.
Conforme o trem passou por Wuhan, a mesma agente que havia medido minha temperatura no início da viagem me avisou gentilmente de que era a minha hora de descer, acompanhando-me até a porta de saída do vagão mais próxima.
E aí as coisas começaram a ficar mais interessantes. Pouco mais de 10 pessoas desembarcaram, mas eu e dois outros, com passaportes estrangeiros, ganhamos atenção especial.
Fomos levados até o nível do solo em um elevador especial e entregues para funcionários totalmente vestidos com roupas brancas de proteção. Os passageiros ganhavam todos uma espécie de banho de um desinfetante à base de álcool, enquanto policiais igualmente superprotegidos observavam, em pé. A família Zhang foi envolta na nuvem do desinfetante com borrifos sobrando para seus rostos.
Ficou claro para mim o quão extraordinário são estes tempos em que vivemos. Antes de me permitirem deixar a estação, fui informada de que agentes do poder público municipal me acompanhariam, em um carro a parte, até o hotel, para se assegurarem de que eu realmente iria indo para o destino que informei às autoridades.
No caminho, a mesma rua na qual fiquei presa durante 30 minutos em um engarrafamento, em janeiro, estava completamente vazia. Percorri aquele trecho que levei meia hora em menos de um minuto.
No hotel, depois de os funcionários da prefeitura confirmarem meu destino, inclusive tirando uma foto como prova de que entrei no prédio, cheguei ao balcão. Fui desinfetada e minha temperatura, medida duas vezes. Meu estado de saúde foi checado para garantir que eu estava realmente sã antes de poder fazer o check-in – quando meus documentos foram conferidos novamente.
À meia-noite, observando os edifícios da cidade iluminados a lembrar que havia gente confinada dentro deles, me dei conta de que as interações entre as pessoas seguiam existindo, mas de outra maneira.
Resta ver quando as interações sociais também voltarão a ser permitidas.