Os últimos 12 meses foram turbulentos mesmo para os padrões de uma região habituada a oscilações sociais, políticas e econômicas. Mudanças de poder com e sem eleições, protestos populares e repressão por parte de governos marcaram o ano de 2019 na América Latina e devem ter desdobramentos ao longo de 2020. Os latino-americanos viveram um momento semelhante ao que o Brasil experimentou em 2013, com milhões de manifestantes transformando as ruas em palco de reivindicações.
Uma das mobilizações mais surpreendentes desafiou uma noção presente nas análises de muitos, que era sustentada por números favoráveis na economia, de que o Chile constituía uma ilha de prosperidade no continente.
O anúncio de aumento na passagem do metrô acendeu a chama que fez o país explodir em revolta contra problemas como a desigualdade social – 1% dos chilenos concentram mais de 26% do PIB –, deficiências nos sistemas de educação e saúde, além de baixos valores no pagamento de aposentadorias.
Em razão da dura repressão do Estado, mais de 20 manifestantes morreram e pelo menos 230 perderam a visão total ou parcialmente em consequência de disparos de balas de borracha por parte das forças policiais.
Além do caso chileno, países como Haiti, Equador, Bolívia e Colômbia viveram turbulências semelhantes. O cientista político Bruno Lima Rocha, professor de Relações Internacionais e de Jornalismo da Unisinos, afirma que o fenômeno não deve ser visto como algo inédito na região.
— É da estrutura das nossas sociedades ter esse tipo de contestação — sustenta Rocha.
O professor da Unisinos avalia que cada surto de indignação tem características próprias, mas há alguns elementos em comum.
— Os países com forte contestação social têm territórios originários fortes, como Haiti, Equador, Chile, Bolívia — afirma o cientista político, fazendo referência a populações tradicionais como os indígenas, que tomaram parte e serviram de inspiração nas revoltas.
A região também experimentou variações de grupos no poder. Em alguns casos, como no Uruguai e na Argentina, pelo voto.
Enquanto a direita ganhou força no Uruguai, com a eleição de Luis Lacalle Pou, na Argentina a esquerda recuperou a Presidência com Alberto Fernández e, como vice, a ex-presidente Cristina Kirchner. Já na Bolívia, Evo Morales teve de renunciar após protestos de rua e suspeitas de fraude nas eleições, alegando ter sido vítima de um golpe com participação de opositores e militares.
As crises terão desdobramentos em 2020. A Bolívia deverá realizar novas eleições, e o Chile prevê a organização de um plebiscito para a população decidir se adota uma nova Constituição.
— Na Colômbia, o governo recuou, estabeleceu uma cesta básica subsidiada, aventou renda mínima. Em uma dimensão, o governo poderá trazer políticas sociais básicas, que não tem por lá. Mas, em outra, da violência contra indígenas e camponeses, acredito que vai continuar — diz Rocha.
No Haiti, multidões marcharam para reclamar de suspeitas de corrupção envolvendo o presidente Jovenel Moise, do aumento da inflação e da falta de produtos básicos no país mais miserável das Américas. Durante meses de revolta popular, mais de 40 pessoas acabaram morrendo. Estima-se que a economia do país – já paupérrima – deverá encolher 1,2% em 2019.
O ano da vizinhança
Argentina
A esquerda voltou ao poder com Alberto Fernández e Cristina Kirchner.
Bolívia
Presidente Evo Morales renunciou em meio a protestos que convulsionaram o país.
Chile
Grandes manifestações por melhores serviços públicos, com repressão policial, culminaram em centenas de mortos e milhares de feridos.
Colômbia
Protestos massivos pediram fim da violência contra líderes sociais, menos corrupção e mais segurança.
Equador
Medidas econômicas como fim do subsídio a combustíveis, marcaram as mobilizações populares.
Uruguai
A eleição de Luis Lacalle Pou marcou a volta da direita ao poder.