Foi sem qualquer surpresa que um grupo de produtores rurais gaúchos, paranaenses e paulistas radicados na Bolívia assistiu, pela TV, o presidente boliviano Evo Morales renunciar. Era esperado, sobretudo pelos brasileiros, que formam comunidade de centenas de milhares no lado oriental do país, próximo à Mato Grosso e Amazonas.
GaúchaZH falou por WhatsApp com José Guilherme Gomes dos Reis, gerente da Agroingá, cooperativa de produtores de soja, girassol, milho e sorgo situada em Poço El Tigre, município 180 quilômetros ao sul de Santa Cruz de La Sierra, maior cidade boliviana. Ele e um grupo de brasileiros naturalizados bolivianos, além de empregados bolivianos, plantam 6,5 mil hectares de lavouras lá. Desde 1994.
Reis ressalta que a maior parte da produção de soja na Bolívia é feita por brasileiros, mais do que pelos próprios bolivianos. Existem ainda milhares de brasileiros que cursam Medicina naquele país (fala-se em mais de 6 mil), divididos basicamente entre Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba. Ele acredita que a maioria apoiou a saída de Evo:
Como pegou a saída do Evo entre vocês, produtores rurais? Vocês estão sintonizados com o pessoal do Luís Fernando Camacho, empresário que vinha pedindo a saída do Evo há meses?
Era algo que a maioria da população da Bolívia queria, porque ele estava virando um ditador. Seria a quarta reeleição dele, o que é contra a Constituição. Em 21 de fevereiro de 2016 teve um referendo que perguntou à população se estava de acordo com a reeleição do Evo. Deu que não, que não queriam. Mesmo assim ele disputou as eleições de agora, em 21 de outubro. Numa primeira contagem, rápida, apareceu à noite Evo na frente, com diferença mínima (quatro pontos). Aí, 24 horas depois, aumentou a diferença. Ele precisaria ter mais de 40% dos votos e diferença superior a 10% do segundo candidato. O Evo conseguiu, mas logo foi mostrado que existiu fraude, teve mais votantes do que gente registrada para votar. Isso tudo foi confirmado pela auditoria que a OEA fez.
Já o Luís Fernando Camacho, sim, tem apoio da população. Ele é presidente do Comitê Pró-Santa Cruz (de La Sierra), um dos nove departamentos da Bolívia. Ele conseguiu não só parar seu departamento, mas todos. Conseguiu a renúncia do Evo.
O que vocês imaginam que vá acontecer a partir de agora? Novas eleições? Militares no poder?
Ontem (10) renunciou o Evo, hoje (11) o chefe da Polícia. O que vai acontecer é que o Senado tem de aprovar a carta de renúncia do presidente e, com isso, quem assume a presidência é uma senadora do departamento de Beni, Janine Añes, do Partido Demócratas. Para um governo transitório, que convocará eleições o mais rápido possível. Os militares não assumem o poder porque não estão na rede de comando. Eles estão a favor da população. Isso é diferente da Venezuela, onde os militares ficaram com o presidente. Aqui eles estão com a população.
Vocês consideram que houve golpe ou quem deu o golpe foi o Evo, ao fraudar eleições (como a OEA suspeita)?
Não houve golpe. Para haver, os militares teriam de sair na rua. Eles não fizeram isso. Continuam nos quartéis. Os policiais se amotinaram contra os comandantes, mas não saíram às ruas. Se teve golpe foi a fraude eleitoral do Evo.
A relação dos produtores rurais brasileiros com o Evo era boa?
A relação dos produtores brasileiros com ele era boa. Tínhamos muito medo de que ele iria reverter terras. Não aconteceu nada disso. Depois houve a baixa do preço do petróleo (a Bolívia é a segunda maior reserva de gás natural nas Américas) e caiu muito a exploração desse produto e o Evo teve de se acercar com os agricultores, porque é o que gerava receita no país, a partir do quinto e sexto ano de governo. Porém, com algumas medidas de governo populista. Ele obrigava as empresas a venderem farelo de soja a preço barato para poder alimentar frango e porco e evitar inflação, para ficar num exemplo.
E os trabalhadores indígenas das fazendas, apoiam o Evo ou não?
Não temos trabalhador indígena aqui. Nessa região os indígenas não trabalham muito em lavouras. Mas lá no Oriente os indígenas apoiavam ele, no começo, até mais que os mineiros. Com algumas medidas dele, ao longo dos anos, ele perdeu muito apoio. Sem fraude ele teria perdido a eleição, pode crer. Carlos Mesa não era o candidato que todo mundo queria, mas era ele ou o Evo. Por isso que teve tamanha votação. Um pouco como aconteceu no Brasil, com Bolsonaro ou o PT.
O que vocês, plantadores, esperam de um novo governo? O que falta?
No caso específico dos agricultores, falta liberação plena da exportação de grãos e liberação de uso de material geneticamente modificado (transgênicos) de soja e milho. Isso evitaria aplicação de tanto inseticida, usaríamos menos agroquímicos.