Um estudante de ensino médio de 18 anos foi baleado à queima-roupa por um policial durante um protesto em Hong Kong nesta terça-feira (1º), dia em que a China celebra os 70 anos do início de seu regime comunista.
Foi a primeira vez que a polícia atirou com munição real contra manifestantes desde que a atual onda de protestos se intensificou, em junho. O tiro teria atingido o jovem perto de seu ombro esquerdo, segundo a polícia.
Imagens de uma TV local mostram o momento em que um agente aponta e dispara a arma a poucos centímetros do peito do ativista, identificado como Zeng Zhijian, no bairro de Tsuen Wan, por volta de 16h locais. Em seguida, ele foi atendido na calçada e levado consciente para o hospital Queen Elizabeth.
O estudante foi acusado de atacar os guardas, junto a outros manifestantes.
— Policiais alertaram para que eles parassem, mas continuaram a atacar violentamente a polícia. Agentes no local, cujas vidas estavam sendo seriamente ameaçadas, dispararam de modo a proteger a si mesmos e aos colegas — disse Yolanda Yu, superintendente da Polícia.
— Nós da polícia não queremos que ninguém se machuque, e isso é dolorido para nós —acrescentou.
O comissário de polícia Stephen Lo Wai Chung disse à BBC que a decisão de atirar foi "legal e razoável". Ele acusou os manifestantes de vandalismo e perturbação da ordem pública, mas afirmou que o dia foi triste.
Segundo o site de notícias South China Morning Post, a bala atingiu o pulmão do jovem e ele teve costelas fraturadas, mas não houve ferimento vascular mais grave e o coração e os rins seguem funcionando. Não há risco de vida.
Enquanto em Pequim milhares de soldados marchavam para celebrar os 70 anos da revolução que deu origem ao atual regime chinês, Hong Kong teve um dos dias mais violentos desde que os protestos pró-democracia ganharam fôlego a cidade virou um cenário de batalha.
Manifestantes fizeram barricadas nas ruas, atearam fogo em pilhas de papelão, atiraram tijolos e coquetéis molotov contra os agentes e queimaram a bandeira chinesa, além de zombarem dos policiais. Também foram espalhados feijões no asfalto para dificultar o avanço das forças de segurança.
Os guardas responderam com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e canhões de água. Houve 180 prisões e ao menos 51 feridos foram hospitalizados, dos quais dois estão em estado grave. Do lado da polícia, 25 oficiais foram feridos.
Os confrontos ocorreram em diversas partes do território, incluindo Causeway Bay, principal distrito comercial, e Admiralty, onde há prédios do governo. Houve evacuação da sede do Legislativo. Diante de várias lojas fechadas, os manifestantes gritavam palavras de ordem como "Apoio a Hong Kong, vamos lutar pela liberdade". Quarenta e uma das 90 estações de metrô foram fechadas.
Nos grupos de Telegram aplicativo oficial de comunicação dos manifestantes pois permite que os usuários adotem pseudônimos , notícias da mídia de Hong Kong estão sendo divulgadas com o alerta "Não é o Dia Nacional, somente o Dia do Luto Nacional".
Ativistas que falaram com a reportagem afirmam que o protesto desta terça foi de fato mais tenso do que os anteriores. Bosco, um rapaz de 16 anos que participa dos atos há quatro meses, afirma que a polícia tem usado mais armas e compara:
— Sim, é mais violento do que antes, quando eles (os policiais) simplesmente saíam de seus carros e disparavam gás lacrimogêneo.
Ainda segundo ele, quando os manifestantes estão sendo presos, a polícia continua usando de violência, o que não costumava ocorrer anteriormente.
D., estudante de 21 anos, conta que, no distrito de Kowloon, a polícia não avisou antes de disparar gás lacrimogêneo. Pelo procedimento correto, uma bandeira com os dizeres "dispersem ou vamos atirar" deveria ter sido mostrada para os manifestantes.
— Mas eles simplesmente entraram, dispararam e saíram — disse.
Por outro lado, D. reconhece que os manifestantes também têm sua parcela de responsabilidade na escalada de violência dos conflitos.
— A polícia usa força excessiva, e em resposta os ativistas atualizam a força deles, como por exemplo com coquetéis molotov ou tentando bater nos oficiais de segurança.
O protesto havia sido proibido pelas autoridades. A polícia acusou os manifestantes de usar um líquido corrosivo na região de Tuen Mun, o que teria machucado diversos policiais e jornalistas.
Na China continental, durante seu discurso à nação, assistido por milhares de pessoas, o dirigente chinês Xi Jinping botou panos quentes na crise com o território.
— Avançando para o futuro, precisamos manter nosso compromisso com a promessa de reunificação pacífica e de 'um país, dois sistemas' — disse, referindo-se ao acordo firmado com o Reino Unido à época da devolução de Hong Kong à China, em 1997.
Impasse entre nações
Situada em uma península, Hong Kong tem sistema político e jurídico diferente, com liberdades civis que não existem no resto do país.
Os ativistas pedem respeito às liberdades às que a região tem direito e a responsabilização de policiais que atacaram manifestantes em outros protestos, entre outras demandas.
Nos últimos meses, o movimento adotou uma ampla agenda pró-democracia, incluindo a realização de uma reforma política que implantaria eleições diretas no território, a investigação de abusos por parte da polícia e a libertação de ativistas presos.
Desde que chegou ao poder, em 2013, Xi vem gradualmente aumentando a repressão do regime sobre minorias e minando a independência de Hong Kong.
Em uma tentativa de controlar a narrativa sobre a crise no território, o Partido Comunista tem adotado o discurso oficial de que os manifestantes são terroristas.