A Turquia iniciou nesta quarta-feira (9) um ataque contra a minoria curda no nordeste da Síria, dois dias após o governo americano afirmar que não iria impedir a ação e retirar seus soldados da região.
Segundo representantes dos curdos, bombardeios atingiram alvos militares e civis em cidades perto da fronteira, incluindo Qamishli, Ras al-Ayn e Tel Abyad, além de Ain Issa, que fica a 50 km da divisa.
As Forças Democráticas Sírias (SDF), grupo liderado pelos curdos, afirmaram que já há registro de dois civis mortos e dois feridos em decorrência dos ataques aéreos, que foram realizados por 25 jatos turcos. O grupo disse ainda que a situação no local é de "pânico generalizado".
Especialistas temem que a ação cause uma crise humanitária, e milhares de pessoas fugiram das cidades próximas a fronteira.
O início dos ataques foi anunciado pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que afirmou que o objetivo da ação é acabar com o que ele chamou de um "corredor do terror" na fronteira entre os dois países. A operação foi batizada Fonte da Paz.
Historicamente, a Turquia afirma que a região, na fronteira sul de seu território, cria um espaço para a ação de grupos terroristas. Erdogan ameaçava havia meses invadir a região do país vizinho, onde vive a minoria, mas a operação tinha o veto de Washington.
O caminho ficou livre depois que as forças americanas começaram a deixar a região, sob uma ordem abrupta da Casa Branca. No domingo (6), Erdogan conversou por telefone com o presidente americano, Donald Trump, e pediu que Washington não interferisse na ação.
Na segunda (7), Trump anunciou que as tropas americanas não iriam se envolver, abrindo espaço para a invasão. A decisão foi considerada uma traição aos curdos, aliados de Washington na guerra civil que assola a Síria desde 2011.
O conflito opõe as forças leais ao ditador Bashar al-Assad ao Estado Islâmico, aos curdos e a outros grupos rebeldes (que se dividem em diferentes facções, incluindo islâmicos e movimentos pro-democracia).
Em uma rede social, o presidente turco afirmou também que a operação está sendo feita de maneira conjunta com o grupo rebelde sírio Exército Nacional e que os alvos são o PKK (uma organização política curda que Ancara classifica como terrorista), a YPG (a milícia curda na Síria) e o Estado Islâmico (adversário da Turquia e dos curdos).
Erdogan diz que pretende criar uma zona de segurança no norte da Síria e alojar ali os milhões de refugiados sírios que fugiram do país durante a guerra civil e atualmente vivem em campos em território turco, perto da fronteira.
O Exército Nacional, aliado da Turquia, convocou seus membros a lutar com violência contra os curdos. "Ataque-os com um punho de aço. Faça eles sentirem o gosto do inferno de suas armas", disse um comunicado do grupo. O material também pedia que civis e desertores fossem poupados.
A SDF, liderada pelos curdos, pediu que a comunidade internacional feche o espaço aéreo da Síria para impedir o bombardeio turco. O comando do grupo afirmou que a região "está à beira de uma catástrofe humanitária".
Os curdos são uma minoria étnica que soma entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas, espalhadas por Turquia, Síria, Irã e Iraque e são considerados a maior nação apátrida do mundo.
Por isso, há décadas eles lutam para criar um Estado próprio, o que os coloca em rota de colisão com Ancara, que classifica os grupos separatistas de terroristas. Os curdos na Turquia dizem que buscam autonomia, mas não necessariamente a independência.
Na Síria, porém, os curdos são aliados dos americanos na luta contra o Estado Islâmico e o ditador Assad, que também é adversário de Ancara, mas que conta com apoio de Rússia e Irã.
Os curdos são aliados americanos desde a invasão do Iraque para derrubar o regime de Saddam Hussein, em 2003. E desde 2011 eles recebem apoio dos EUA para combater o Estado Islâmico, que perdeu as regiões que controlava na Síria e no Iraque.
Outra questão sensível nesse embate é que os curdos mantêm presos na Síria cerca de 60 mil ex-combatentes do Estado Islâmico que foram capturados, além de seus familiares.
Washington espera que a Turquia possa assumir o controle sobre eles, mas há temores de que possam escapar durante um eventual confronto, o que favoreceria o ressurgimento do grupo terrorista. Há ainda o temor de um massacre caso esses prisioneiros sejam capturados pelas forças leais a Assad.
Críticas internacionais
A Rússia, principal aliada de Assad, adota um tom cauteloso e pediu um diálogo entre Damasco e os curdos para resolver a situação.
Já o Irã, que também dá apoio ao ditador, pediu que a Turquia evitasse ações militares na região, apesar de afirmar que Ancara tem o direito de estar preocupada com a situação em sua fronteira.
O Reino Unido e a França criticaram a operação e disseram que irão convocar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar do tema, provavelmente para esta quinta (10).
A União Europeia pediu que a Turquia pare a ação militar e questionou a criação da zona de segurança para os refugiados.
— Se o plano envolve a criação dessa autonomeada zona de segurança, não espere que a UE pagará por isso — disse Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia.
A Alemanha também pediu o fim da ação e disse temer que ela possa fortalecer o Estado Islâmico. A operação também foi criticada por Itália e Dinamarca.
Nos EUA, o senador republicano Lindsey Grahan, um aliado de Trump, criticou o presidente pela decisão sobre os curdos.
— O gesto do presidente vai completamente contra os conselhos de todo mundo. Ele terá 100% de crédito se ele sabe de algo que o resto de nós não sabe. E terá 100% da culpa — disse ele.
O senador também defendeu que os EUA apliquem duras sanções à Turquia, e que há maioria no Congresso para barrar vetos de Trump sobre essa questão.
Segundo a rede de TV CNN, o embaixador americano em Ancara foi convocado pelo governo turco para receber detalhes da ação.
A retirada das tropas americanas da Síria, realizada agora, havia sido anunciada no fim de 2018. Na campanha, Trump prometeu retirar os EUA de "guerras sem fim" no exterior. No entanto, o abandono aos curdos gera temores de que Washington pode fazer o mesmo com outros aliados militares no exterior.