As forças dos Estados Unidos no norte da Síria iniciaram nesta segunda-feira (7) sua retirada das zonas próximas da fronteira com a Turquia, o que abre caminho para uma ofensiva militar turca contra milícias curdas e aviva o temor sobre o retorno dos jihadista à região.
As Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança de combatentes curdos e árabes, anunciaram em um comunicado que as "forças americanas se retiravam das zonas de fronteira com a Turquia", ao mesmo tempo que a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) confirmou uma retirada das tropas dos Estados Unidos de posições importantes em Ras al Ain e Tal Abyad.
O governo dos Estados Unidos anunciou no domingo à noite que a retirada permitirá à Turquia realizar "em breve" uma incursão militar "prevista há algum tempo no norte da Síria".
O presidente Donald Trump justificou sua decisão alegando que cabe aos atores da região resolver a situação e que seu país deve deixar as "ridículas guerras intermináveis".
"Turquia, Europa, Síria, Irã, Iraque, Rússia e curdos agora terão que resolver a situação e o que querem fazer com os combatentes do ISIS capturados em seu 'bairro'", tuitou Trump utilizando a sigla em inglês do grupo Estado Islâmico (EI).
"É hora de sairmos dessas ridículas guerras sem fim, muitas delas tribais, e levar nossos soldados para casa. LUTAREMOS ONDE SEJA EM NOSSO BENEFÍCIO, E LUTAREMOS SOMENTE PARA VENCER", acrescentou.
Poucos minutos depois, o senador Lindsey Graham, um dos republicanos mais próximos a Trump, pediu ao presidente para "revogar a decisão" de retirar as tropas americanas do norte da Síria, por considerar que a medida era um "desastre em formação".
"Além disso, se este plano avançar será apresentada uma resolução do Senado em oposição e para pedir a revogação da decisão. Espero que receba um forte apoio bipartidário", tuitou o republicano.
Algumas horas antes, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan afirmou que o exército do país está pronto para iniciar a qualquer momento as operações contra milícias curdas na Síria, após o anúncio de Washington de que não vai apresentar oposição à intervenção.
"Há uma frase que sempre usamos: podemos chegar a qualquer noite, sem aviso", disse Erdogan à imprensa.
A Turquia está decidida a "limpar" o norte da Síria de "terroristas" que ameaçam sua segurança, declarou o ministro turco das Relações Exteriores, Mevlüt Cavusoglu.
"Estamos decididos a proteger nossa segurança limpando esta região de terroristas", insistiu Mevlüt Cavusoglu.
A Turquia classifica como "terroristas" as milícias curdas da Síria, por seus vínculos com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), uma organização curda que protagoniza uma guerrilha violenta no território turco desde 1984.
A ONU afirmou nesta segunda-feira que se prepara para o pior na região norte da Síria, após a retirada dos Estados Unidos e sua anuência a uma intervenção militar turca.
"Não sabemos o que vai acontecer (...) nos preparamos para o pior", declarou o coordenador humanitário da ONU para a Síria, Panos Moumtzis, em uma entrevista coletiva em Genebra.
- Ressurgimento do EI? -
A situação reflete uma mudança de estratégia por parte dos Estados Unidos, que abandonam os curdos, cujas milícias foram o principal aliado de Washington na luta contra o grupo extremista Estado Islâmico (EI).
As FDS advertiram que uma operação turca provocaria o ressurgimento do EI e acabaria com "anos de exitosos combates" contra os jihadistas, uma declaração rejeitada por Ancara.
Alguns líderes do EI poderiam retornar, segundo as FDS, um cenário que também ameaçaria as prisões e os acampamentos que os curdos dirigem e que abrigam vários jihadistas e suas famílias.
As FDS, apoiadas pela coalizão internacional antijihadista liderada por Washington, lutaram durante anos contra o EI e conquistaram em março seu último reduto na Síria, em Baguz.
"As forças dos Estados Unidos, depois de derrotar o 'califado' territorial dos EI, não estarão mais na área imediata", afirma um comunicado divulgado pela Casa Branca no domingo.
"As Forças Armadas dos Estados Unidos não apoiarão nem se envolverão na operação", completa a nota.
O senador republicano Mitch McConnell, um dos principais aliados de Trump no Congresso, alertou que uma retirada "precipitada" das tropas da Síria além de beneficiar Rússia, Irã e o regime de Bashar al Assad, traria o risco de um retorno do EI.
"Uma retirada precipitada das forças americanas da Síria somente beneficiará Rússia, Irã e o regime de Assad", disse o líder da maioria no Senado em comunicado. "E aumentará o risco de o EI (Estado Islâmico) e outros grupos terroristas se reagruparem", acrescentou.
Na semana passada, o presidente turco havia afirmado que Ancara estava perdendo a paciência com Washington a respeito da criação de uma "zona de segurança" no norte da Síria. E ameaçou com uma operação militar iminente.
A "zona de segurança" deve ser criada entre a fronteira turca e as zonas sírias controladas pela milícia curda da Unidades de Proteção Popular (YPG), que integram as FDS.
* AFP