Partidos de oposição do Paraguai anunciaram nesta quarta-feira (31) que apresentarão um pedido de impeachment contra o presidente, Mario Abdo Benítez, e o vice-presidente, Hugo Velázquez, em meio a uma crise política detonada pela assinatura de um acordo energético com o Brasil.
Políticos e parlamentares reagiram contra a assinatura do acordo, que estabelece um cronograma para a compra de energia gerada pela hidrelétrica binacional Itaipu até o ano de 2022.
O acordo — fechado em maio, mas conhecido publicamente apenas na semana passada —elevará os custos para a empresa estatal de eletricidade do Paraguai em mais de US$ 200 milhões, segundo legisladores e o ex-diretor da entidade.
— Vamos preparar a documentação necessária para o processo por traição à pátria. Isso significa mau desempenho, e serão necessárias novas eleições — disse Efraín Alegre, presidente do Partido Liberal, a principal sigla de oposição no país.
— Decidimos dois pontos: primeiro, impulsionar o impeachment do presidente da nação e do vice-presidente; o segundo, a ação penal a todos os envolvidos nessa situação de crise pelo tema de Itaipu — afirmou a presidente do Partido Revolucionario Febrerista, Josefina Duarte.
O processo de impeachment deve ser iniciado na Câmara dos Deputados, onde são necessários 53 votos para a acusação.
Segundo o jornal ABC Color, a iniciativa tem apoio das principais siglas da oposição, como o Partido Liberal Radical Autêntico, o Partido Encontro Nacional e outros, que reúnem apenas 38 votos. Portanto, a abertura do processo dependerá dos votos do Honor Colorado, movimento dissidente liderado pelo ex-presidente Horacio Cartes.
Nesta segunda (29), o chanceler do Paraguai, Luis Castiglioni, e outros três altos funcionários do governo renunciaram, após o Executivo paraguaio pedir a anulação de ata assinada com o Brasil em maio e publicada neste final de semana.
Além de Castiglioni, renunciaram Alcides Jiménez, que havia assumido o cargo de chefe da companhia estatal de energia Ande há poucos dias; Hugo Saguier, embaixador do Paraguai no Brasil; e José Alderete, diretor paraguaio de Itaipu.
Diante da escalada da crise no Paraguai, o presidente Jair Bolsonaro prometeu nesta quarta-feira (31) ajudar seu contraparte e "fazer justiça" com o país vizinho.
Paraquedista militar, assim como foi Bolsonaro, e um dos principais aliados do presidente brasileiro na América do Sul, Abdo Benítez está sofrendo ameaças de impeachment desde que foram divulgados detalhes de uma ata diplomática que aumentou a quantidade de energia que a Administração Nacional de Eletricidade (Ande) do Paraguai contrata todos os anos de Itaipu.
— Nosso relacionamento com o Paraguai é excepcional, excelente. Estamos dispostos a fazer justiça nesta questão de Itaipu binacional que lá é importantíssima para o Paraguai e importante para nós — disse Bolsonaro.
— Ontem (terça) eu conversei com o (general Joaquim) Silva e Luna, o presidente da parte brasileira de Itaipu. Estamos resolvendo este assunto. Pode deixar que o Marito [Abdo Benítez] vai ser reconhecido pelo bom trabalho que está fazendo no Paraguai — acrescentou.
A ata diplomática determina que o Paraguai deverá aumentar paulatinamente o montante de potência contratada na hidrelétrica até 2022. Os novos valores são cerca de 50% superiores aos atuais, o que representa um custo adicional de cerca de US$ 200 milhões para o país vizinho no período.
De acordo com interlocutores do governo Bolsonaro, a renegociação dos valores era necessária para equacionar um antigo desequilíbrio que, na prática, levava o Brasil a subsidiar parte da eletricidade paraguaia.
Questionado se o Brasil cederia, Bolsonaro não quis dar detalhes.
— Não é questão de ceder ao Paraguai. Não é meio a meio? A princípio é por aí. As pequenas derivações a gente acerta aí — disse.
Mais tarde, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, afirmou que o Brasil está aberto ao diálogo em caso de rescisão do acordo firmado no primeiro semestre deste ano.
— O presidente Jair Bolsonaro me comentou há pouco a sua intenção de estar aberto a essa discussão, inclusive em uma eventual denúncia do acordo de se colocar em posição de dialogar profundamente.
As distribuidoras Ande (Paraguai) e Eletrobras (Brasil) acordam anualmente a contratação da energia elétrica procedente da usina binacional, uma das maiores do mundo.
Em março, Abdo Benítez visitou o Brasil e discutiu a revisão de cláusulas financeiras envolvendo a hidrelétrica. À época, o ministro da Fazenda paraguaio, Benigno López, disse esperar que as negociações fossem justas e rápidas.
Na semana passada, o ex-presidente da Ande, Pedro Ferreira, já havia renunciado após discordar dos termos do acordo e se recusar a assiná-lo.
O Congresso paraguaio exigiu uma explicação do governo, enquanto os representantes da Ande se manifestaram em frente ao Congresso com cartazes dizendo "eles não terão paz enquanto violarem a Constituição".
Itaipu, que opera desde 1984, atualmente tem uma potência instalada de 14 mil megawatts. O Brasil consume cerca de 84% da energia da usina, o que representa 15% de toda a energia utilizada no país.
Os países se preparam para negociar o futuro de Itaipu com um importante adendo ao tratado fundador da hidrelétrica, que expirará em 2023.