Um dos maiores conhecedores do cenário político venezuelano, o professor Carlos Romero afirma que a reação dos Estados Unidos diante do ultimato de Nicolás Maduro para que seus diplomatas deixem o país pode ser determinante para o futuro da crise. O docente da Ciência Política da Universidade Central da Venezuela, no entanto, acredita que os militares podem pressionar o presidente a deixar o poder — não por meio de golpe de Estado, mas diante de uma solução institucional e de transição. A seguir, confira os principais trechos da entrevista concedida a GaúchaZH em Caracas.
Há um impasse: dois governos e um país. Como o senhor acredita que vai avançar a situação?
Estamos diante de uma dualidade de poder. Por um lado, o governo do presidente Maduro amparado pelas forças armadas, um grupo de países e uma população ao redor de um terço da população venezuelana. E de outro, o presidente da Assembleia Nacional, que se escolheu como presidente provisório que conta com importante grupo de países, sobretudo da América Latina e de Caribe, Estados Unidos, Canadá e um grupo de europeus. Conta com mais de 60% da população opositora e com o respaldo de algumas instituições de caráter multilateral. Mais do que o impasse, neste momento chamo de dualidade de poder.
Portanto, curiosamente, a situação está em stand by. Está se esperando três coisas: primeiro, que as forças armadas deixem de apoiar Maduro, que podem pressioná-lo para buscar uma saída de caráter pacífica para a situação. Dois: que os EUA continuem com sua conduta de pressionar Maduro, não dar gestos de nenhum tipo de negociação. E terceiro: que tenham sorte os governos latino-americanos, da União Europeia e das Nações Unidas em limitar esse choque de extremos que está se evidenciando a cada minuto, sobretudo com relação a domingo com relação aos funcionários diplomáticos norte-americanos.
O senhor acredita em saída pacífica ou terminará em guerra civil?
Guerra civil, neste momento, na Venezuela, não está no cenário. O que está é que haja uma situação tão grave que desemboque em uma violência geral. Não vimos nem uma greve geral, nem manifestações radicais importantes no país. Houve brotos de violência muito bem identificados, lamentavelmente com mortes, mas não é uma situação geral no país. Ao não estar as forças armadas como perfil da balança, Maduro segue tendo apoio importante.
Mas cada minuto aqui, na Venezuela, é diferente. Já ninguém se lembra de 10 de janeiro, 5 de janeiro ou 23 de janeiro. Já estamos em outra situação. O mais perigoso que vejo é que os EUA desafiam Maduro enquanto rompimento de relações diplomáticas e disse que não vai embora da Venezuela, que reconhece o governo de Guaidó. Em nenhum aspecto sente que houve rompimento de relações e que seus funcionários vão permanecer quando vencer o prazo de 72 horas. Esse é o elemento mais importante das últimas horas.
Maduro tem o apoio de todos os militares ou só da cúpula?
Ouvi nas últimas horas que capitães e tenentes não estariam com Maduro. Podem ser alguns. A crise econômica e o oportunismo de ver que um governo está falindo, pode, de certa maneira, levá-los a um pronunciamento. A oposição tem falhado. Acreditava-se que haveria importante pronunciamento de militares da ativa, e não se deu. O controle é muito forte. Mas isso não excluiu que em algum momento dado pode haver manifestação interna. Estou mais orientado não à situação de golpe militar, mas a uma pressão das forças armadas sobre Maduro para que negocie e aceite as condições que estão oferecendo os governos de México e Uruguai e a Santa Sé. Esses negociadores estão oferecendo inclusive um salvo-conduto para que funcionários americanos para que saiam resguardados até o aeroporto.
Juan Guaidó pode perder força e legitimidade caso a situação não evolua para a saída de Maduro?
Ele se resguarda por precaução. Juan Guaidó não tem um papel neste momento. É preferível que se guarde.
Como os venezuelanos veem a influência do Brasil?
Depende com quem se fala. Se é oposição, está muito feliz. Se é pró-Chávez, está com raiva. Claro que o Brasil tem sido um elemento fundamental no processo de deterioração. Como cientista político, tenho de ver as duas coisas. Há uma deterioração política e econômica. Mas não se pode negar que há um processo de desestabilização. Uma mata, por mais que se regue, se não tem terreno fértil, não brota. Você pode ter política de desestabilização, mas tem de ter terreno disponível. Estão sendo combinadas as duas coisas aqui.