O parlamento da Ucrânia aprovou nesta segunda-feira a declaração da lei marcial nas regiões fronteiriças por 30 dias, em um contexto de forte tensão com a Rússia, que capturou neste domingo três de seus barcos militares.
Esta decisão sem precedentes desde a independência desta ex-república soviética em 1991 foi tomada por iniciativa do presidente ucraniano, Petro Poroshenko, que a justificou pelo crescente risco de uma ofensiva terrestre russa.
Um total de 276 deputados ucranianos aprovaram a aplicação da lei marcial durante uma sessão parlamentar em Kiev que contou com a presença do presidente Poroshenko e do primeiro-ministro, Vladimir Groisman.
Depois de ter proposto que a lei fosse aplicada durante 60 dias, o presidente ucraniano pediu sua aplicação a partir de quinta-feira, durante 30 dias, e a limitou a várias regiões fronteiriças, e não ao conjunto do território, conforme o previsto
"Ao atacar embarcações militares ucranianas, lança uma nova etapa de sua agressão", assegurou Poroshenko, durante uma declaração televisionada.
Moscou justificou a ação afirmando que agiu "em estrita conformidade" com "o direito internacional", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitiri Peskov, que denunciou uma "intrusão" de embarcações ucranianas nas "águas internacionais" russas.
A tensão entre Ucrânia e Rússia aumentou no domingo, quando as forças navais russas capturaram, após disparar, três navios militares ucranianos (dois navios patrulheiros e um rebocador, com aproximadamente 20 fuzileiros navais a bordo).
Tanto Kiev quanto Moscou pediram uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, que será realizada ainda nesta segunda.
A Otan também convocou uma reunião de emergência em Bruxelas nesta segunda com representantes ucranianos, depois de uma conversa telefônica entre o secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, e o presidente ucraniano, Petro Poroshenko.
As relações entre os dois países atravessa uma profunda crise desde 2014, após a anexação da Crimeia por parte da Rússia, e a guerra separatista no leste da Ucrânia.
Kiev "exige" que Moscou libere os fuzileiros e "devolva os navios militares capturados", declarou o Ministério de Relações Exteriores ucraniano em um comunicado publicado no domingo à noite.
"A Ucrânia pede a seus aliados e sócios que tomem todas as medidas necessárias para conter o agressor, em particular impondo novas sanções" à Rússia, ressalta.
O inédito incidente deixou seis feridos entre os fuzileiros ucranianos, dois deles em estado grave, segundo Kiev. Moscou garante que foram somente três feridos.
O incidente aconteceu quando barcos ucranianos tentavam entrar no Estreito de Kerch do Mar Negro, que separa a Crimeia da Rússia e é o ponto de acesso ao Mar de Azov.
Segundo Kiev, os barcos russos se chocaram primeiro contra o rebocador ucraniano e bloquearam o acesso ao mar de Azov.
- 'Métodos perigosos' -
Moscou confirmou a captura e o "uso de armas", acusando os barcos ucranianos de "violarem a fronteira russa" e de "realizar ações ilegais em águas territoriais russas".
O chanceler russo, Serguei Lavrov, acusou nesta segunda-feira a Ucrânia de violar normas internacionais com "métodos perigosos que criaram ameaças e riscos para o movimento normal dos barcos". Lavrov acrescentou que se tratou de uma provocação.
O ministro ucraniano do Interior publicou em sua conta do Twitter um vídeo gravado aparentemente em uma embarcação russa em que se vê como o rebocador é atingido. No vídeo podem ser ouvidos ordens e insultos em russo.
A televisão russa mostrou as mesmas imagens, mas com as vozes silenciadas e sem que aparecesse o momento do choque.
Vários veículos de mídia russos publicaram na noite desta segunda fragmentos de vídeo dos interrogatórios, efetuados pelos serviços de segurança russos (FSB) em Kerch, dos fuzileiros capturados pela Rússia. As declarações dos fuzileiros ucranianos convergem com a versão defendida pelo Kremlin.
O capitão ucraniano Vladimir Lessovoï, por exemplo, afirma que os movimentos do barco em que estava foram uma "provocação".
A União Europeia e a Otan pediram uma "desescalada" nas tensões na região e que Moscou tente "restaurar a liberdade de passagem" no Estreito de Kerch.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, condenou, por sua vez, o "uso da força" por parte da Rússia no Mar de Azov.
Os Estados Unidos denunciaram na ONU a ação "ilegal" da Rússia, ressaltando que essa conduta torna "impossível" uma "relação normal" entre Washington e Moscou.
A embaixadora americana, Nikki Haley, reiterou em uma reunião de emergência do Conselho de Segurança que os "Estados Unidos daria boas-vindas a uma relação normal com a Rússia. No entanto, ações ilegais como esta continuam tornando isso impossível".
Vários países aliados de Kiev, entre eles Canadá e Lituânia, condenaram a "agressão russa".
"Condenamos o ato de agressão da Rússia ao capturar três barcos ucranianos e a sua tripulação", disse aos jornalistas um porta-voz da primeira-ministra britânica, Theresa May.
A Turquia se declarou "preocupada" e pediu o fim da "escalada", enquanto a China pediu a Moscou e Kiev que "resolvam suas diferenças por meio do diálogo e de consultas".
A Alemanha também denunciou um "bloqueio inaceitável" do Mar de Azov.
A atual crise entre a Ucrânia e a Rússia começou com protestos pró-europeus, assim como com a fuga para a Rússia e a destituição em fevereiro de 2014 do presidente pró-russo Viktor Yanukovich.
Um mês depois, a Rússia anexou a península da Crimeia. Em abril daquele ano, explodiu o conflito armado no leste ucraniano entre as tropas de Kiev e os separatistas, o que deixou mais de 10.000 mortos.
Kiev e países ocidentais acusam a Rússia de apoiar militarmente os separatistas, o que Moscou nega.
O Ocidente impôs sanções econômicas significativas à Rússia pela anexação da Crimeia e seu suposto papel na guerra no leste da Ucrânia.
A Rússia reivindica o controle do Estreito de Kerch desde a anexação da Crimeia e construiu uma ponte que liga a península ao território russo. Kiev e as potências ocidentais acusam Moscou de "obstruir" deliberadamente a navegação de embarcações comerciais entre o Mar Negro e o Mar de Azov pelo estreito.
A Ucrânia e a Rússia reforçaram sua presença militar nessa área sensível. Nos últimos meses, deslocaram navios militares para a zona.
* AFP