Doutor em Relações Internacionais, autor do livro A Política Brasileira de Exportação de Armas, que acaba de ser lançado, David Magalhães é o autor da pesquisa, defendida em sua tese de doutorado, que descobriu as autorizações do governo brasileiro para negociar vendas de armas para o Exterior. Leia a reportagem completa clicando aqui.
Quais foram as dificuldades para ter acesso às informações?
A primeira questão é a própria política brasileira de exportação de armas ser sigilosa, algo que não existe em outros países democráticos. A sociedade civil não sabe quem controla a venda de materiais bélicos. O instrumento normativo é um ato administrativo de caráter sigiloso dos anos 1970. Ele foi sendo modificado – a última vez foi em 1994. Fiquei assustado, durante minha pesquisa, ao saber que nem o operador de exportações da Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil), um dos players da indústria de armas e vinculado ao Ministério da Defesa, tinha acesso a Pnemen (Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar). Vender máquina agrícola é uma coisa, vender armas é outra. Quando você vende um sistema de artilharia, você está capacitando politicamente um país. Isso exige controle político.
Como se dá a pressão do setor industrial sobre o governo?
As empresas e outros atores da sociedade desempenharam papel importante no processo de revitalização da indústria de armas, após a crise que sofreu nos anos 1990. E continuam fazendo lobby para que o Estado ajude essa indústria a ampliar seu mercado externo. Há dois clientes de produtos de defesa: as Forças Armadas do próprio país e as estrangeiras. Como o orçamento de defesa do Brasil é baixo, as empresas, para poder produzir em escala, dependem das exportações, logo, precisam do governo. O lobby que fazem é forte. Se depender das empresas, o critério para a venda é só financeiro, o que pode trazer problemas humanitários.
É o caso das munições cluster, que podem estar sendo usadas pela Arábia Saudita no Iêmen?
A Arábia Saudita é um importante cliente da nossa indústria de defesa, sobretudo da Avibras. Trata-se de uma monarquia absolutista que tem empregado armas brasileiras contra a população iemenita. Sabemos disso sobretudo pelo que nos é reportado por ONGs como a Human Rights Watch, que encontraram munições cluster da Avibras em regiões atacadas pelos sauditas. Não há transparência e não há responsabilidade. Ou seja, é uma caixa preta. Na minha pesquisa, mostro como é possível ser minimamente transparente sem violar o sigilo comercial das empresas. Não é o que acontece no caso brasileiro. O Estado oferece incentivos à indústria, gozando de tributação especial, e a sociedade não sabe qual o destino das armas exportadas.
Como é a relação entre a indústria e os funcionários do governo?
Funcionários do Ministério da Defesa foram promover nossa indústria de armas em Bagdá logo após o fim do embargo da ONU. A pasta criou o DepCom (Departamento de Promoção Comercial), que é responsável pela inteligência e a promoção comercial da nossa indústria de armas. Funcionários do ministério participaram de feiras internacionais, fazendo o papel de mercadores de armamentos. Além disso, os adidos militares também atuam na promoção comercial da Base Industrial de Defesa, entram em contato com as forças armadas dos países onde estão estabelecidos, para promover as armas feitas no Brasil.
Há acesso direto das empresas do setor a esse departamento?
Sim. Nas diversas ocasiões em que estive no Ministério da Defesa, cruzei com funcionários de relações governamentais da Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança), que pareciam ter acesso livre aos militares. Não acho que seja unidirecional e que o Estado seja refém ou instrumento das empresas de armas. Há um interesse do Estado em adquirir autonomia tecnológica e minimizar a dependência das importações de armas. As empresas se movem pelo interesse econômico, e o Estado, principalmente o Exército, por interesses estratégicos e de autonomia política.