"Não vou falhar com vocês", prometeu Andrés Manuel López Obrador após sua grande vitória na eleição presidencial do México, que leva a esquerda ao poder na segunda maior economia da América Latina pela primeira vez em sua história recente.
— Sou muito consciente de minha responsabilidade histórica — disse López Obrador, de 64 anos, ao lado da esposa e dos filhos, diante de dezenas de milhares de simpatizantes na emblemática praça central da capital mexicana, e completou enquanto a multidão gritava "Sim, foi possível":
— Quero entrar para a história como um bom presidente do México.
Em sua terceira tentativa consecutiva de chegar à presidência, AMLO, como é conhecido entre os mexicanos, se apresentou como o candidato antissistema e recebeu mais de 53% dos votos, de acordo com estimativas oficiais baseadas em uma mostra cuja tendência é irreversível.
López Obrador tem mais de 30 pontos de vantagem sobre Ricardo Anaya, candidato apoiado por uma coalizão de direita e esquerda (PAN, PRD e Movimento Cidadão). José Antonio Meade, aspirante do governista Partido Revolucionário Institucional (PRI), aparece muito atrás em terceiro lugar.
A apuração dos votos avança lentamente e continuará nesta segunda-feira, enquanto o país assiste a partida entre México e Brasil pelas oitavas de final da Copa do Mundo da Rússia-2018.
López Obrador, 64 anos, conseguiu capitalizar o cansaço da população após seis anos de governo de Enrique Peña Nieto, um mandato marcado pela corrupção e por denúncias de violações dos direitos humanos.
Trump vs AMLO?
Em seu projeto de nação para 2018-2024, que começará em sua posse no dia 1 de dezembro, o candidato eleito destaca o apoio ao campo, a revisão dos contratos milionários da reforma energética, um governo "austero, sem luxos ou privilégios" e a redução dos salários dos altos funcionários públicos em até 50%.
Tudo para estimular programas sociais e reduzir a pobreza no México, que afeta mais de 53 milhões de pessoas, com mais de sete milhões de cidadãos na pobreza extrema.
O problema é que muitos mexicanos e analistas criticam a falta de propostas concretas e o que chamam de retórica "populista".
— O principal desafio genérico de López Obrador é cumprir o que ofereceu e ofereceu uma utopia (...) Não vai conseguir fazer milagres — disse o historiador mexicano José Antonio Crespo.
Muitos mexicanos que votaram nele expressam dúvidas sobre seu programa, ao mesmo tempo que ressaltaram a necessidade de uma mudança.
Uma das maiores dúvidas diz respeito à relação de AMLO com o presidente americano Donald Trump e, sobretudo, como dois modelos tão antagônicos conviverão dos dois lados do Rio Bravo, em temas vitais como a migração e as negociações de um renovado Tratado de Livre-Comércio.
Trump disse que "está desejoso de trabalhar" com o novo presidente mexicano."Há muito trabalho por fazer que beneficiará Estados Unidos e México", tuitou Trump, cuja política anti-imigração e contra o livre comércio abalou a relação bilateral.
López Obrador afirmou que buscará uma relação de "amizade e cooperação" com os Estados Unidos. Para os analistas o panorama é incerto.
— AMLO não pagará pelo muro, isto é certo. Mas AMLO deu mostras claras de que deseja ter uma boa relação com os Estados Unidos. Ele não fez campanha contra Trump. Do lado de Trump é muito imprevisível — opina Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisas em Economia e Política.
Campanha eleitoral violenta
As eleições encerraram a campanha eleitoral mais violenta da história recente do México, com pelo menos 145 políticos assassinados desde setembro (48 eram pré-candidatos, ou candidatos).
Um número significativamente maior do que o registrado em 2012, quando nove políticos e um candidato foram assassinados.
Durante o dia de votação, uma militante do Partido do Trabalho (PT) foi assassinada no estado de Michoacán (oeste) e dois membros do PRI morreram no estado de Puebla.
A esquerda no mapa político
Os candidatos do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), a coalizão liderada por López Obrador, que atualmente não governa nenhum estado, venceram em seis dos nove estados em disputa, de acordo com as pesquisas de boca de urna. O resultado muda definitivamente o mapa político nos 32 estados do México, que até agora eram governados em sua maioria por PRI e PAN.
Além do presidente, quase 89 milhões de mexicanos estavam registrados para escolher governadores, prefeitos e deputados locais e federais, entre os mais de 18.000 cargos em disputa.
De acordo com o instituto Mitofsky, Morena e seus aliados, o Partido do Trabalho e o conservador Encontro Social, conseguiriam juntos mais de 250 das 500 cadeiras na Câmara, o que significa a maioria entre os deputados. No Senado, entre 56 e 70 das 128 cadeiras, o que não garante a maioria até o momento. López Obrador precisará, portanto, estabelecer alianças em um país dividido.