Três velejadores brasileiros, entre eles o gaúcho Daniel Guerra, 36 anos, de Passo Fundo, estão sendo julgados desde segunda-feira (12), em Cabo Verde, acusados de tráfico internacional de drogas. O trio e um capitão francês estão presos há sete meses após terem sido flagrados com mais de uma tonelada de cocaína em um fundo falso de um veleiro. A Polícia Federal (PF) da Bahia apurou que eles teriam embarcado depois da droga ter sido escondida e que eles não teriam envolvimento no crime. Ainda não há previsão para o fim do julgamento.
No terceiro dia de sessão, o tribunal do Cabo Verde se recusou a aguardar a chegada de um relatório da Polícia Federal brasileira e a ouvir mais testemunhas da defesa, inclusive por vídeo-conferência, segundo o jornal Expresso das Ilhas, de Cabo Verde. O juiz responsável pelo julgamento, Antero Tavares, argumentou que isso poderia comprometer o andamento do julgamento.
No primeiro dia de sessão, na segunda-feira, conforme o jornal local, foram ouvidos os quatro réus. Eles contaram que iniciaram a viagem em Salvador em agosto de 2017, passaram por Natal e pretendiam chegar até a Holanda, mas precisaram parar no arquipélago após um temporal. Guerra, assim como os outros velejadores, contou que pretendia acumular experiência em milhas náuticas. Eles disseram que foram selecionados por uma agência internacional para realizar a viagem. Os quatro estão presos na ilha de São Vicente, na cidade de Mindelo, onde foi descoberta a carga de entorpecentes. Identificado como dono da embarcação, o inglês George Saul, está foragido.
Segundo a Rádio Morabeza, que acompanha a sessão desde o início, ainda não há previsão para encerramento. Na tarde desta quarta-feira (14) está prevista uma visita ao veleiro para novos esclarecimentos. Familiares dos réus estão em São Vicente desde dezembro. Os pais do gaúcho, Télio Carlos Guerra, 68 anos, e Fátima Ruthe Guerra, 65, acreditam na inocência do filho.
— O meu filho é muito tranquilo, sincero, transparente e eu me senti bem ouvindo ele falar. Acredito que as autoridades também ficaram tranquilas — disse Fátima, em Cabo Verde, ao Expresso das Ilhas.
O Ministério Público (MP) argumenta que a droga teria sido embarcada durante a viagem, no meio do Oceano Atlântico, mas a PF apurou que a cocaína foi colocada no Espírito Santo, antes dos velejadores ingressarem no veleiro. A pena para os crimes de tráfico internacional e associação criminosa pode chegar a 20 anos de prisão.
A defesa
Um dos advogados dos réus, Osvaldo Lopes, falou ao jornal local sobre o andamento do julgamento. Ele criticou o fato do MP não ter valorizado os documentos que a Justiça brasileira enviou ao Cabo Verde e que apontam para a falta de indícios contra os réus.
— Há uma recusa do Ministério Público em aceitar esse documento. Aliás, com uma certa deselegância para com um país irmão, o Brasil, e com a própria embaixada. O Ministério Público faz fé em não aceitar esses documentos oficiais produzidos lá onde aconteceu boa parte dessa operação e nós estranhamos a sua posição — argumentou.
O advogado afirmou ainda que a defesa está tentando provar que os réus não tinham qualquer envolvimento com tráfico, mas critica o fato de, em seu entendimento, a acusação não ter apresentado provas do contrário.
— Isso de que o réu tem que provar a sua inocência é um contrassenso em relação a tudo o que nós aprendemos em Direito. Mas nós iremos fazer todo o possível para que não haja a mínima dúvida de que eles são inocentes — disse.
O julgamento
Os réus:
O gaúcho Daniel Guerra e o capitão do barco, o francês Olivier Thomas, foram ouvidos na manhã de segunda-feira (12), segundo o jornal Expresso das Ilhas. Guerra contou que não sabia sobre a droga escondida no veleiro e que foi contratado pela empresa holandesa de recrutamento de tripulação "The Yacht Delivery Company", após ter sido informado pela escola que frequentava sobre o concurso.
Ele disse também que o contrato não incluía qualquer pagamento e que queria atravessar o Oceano Atlântico para ganhar milhas náuticas e concluir os dois últimos cursos que lhe faltam na área da vela.
O capitão reiterou que foi contratado, quando estava na França, apenas para levar o barco de Natal, no Brasil, para a Madeira, em Portugal, e repetiu não ter conhecimento dos 1.157 quilos de cocaína escondidos no casco da embarcação. Daniel Dantas e Rodrigo Dantas falaram durante a tarde e reiteraram as informações repassadas por Guerra. Os dois disseram ainda que só pararam em Cabo Verde após problemas no motor do barco e devido ao estado de saúde de um dos tripulantes.
A polícia:
Também foram ouvidos os policiais envolvidos na operação que resultou na apreensão. Segundo a polícia, os 1.157 quilos de cocaína, acondicionada em 1.063 pacotes, estavam escondidos num espaço de difícil acesso, no interior do casco do veleiro. Foi preciso retirar dois tanques de fibra que continham água, além de partir uma estrutura metálica e outra de madeira, para ter acesso ao esconderijo da droga. Os policiais relataram que a apreensão ocorreu após uma denúncia que teria sido recebida uma semana antes da chegada da embarcação.
Em março de 2016, o mesmo veleiro teria passado por Cabo Verde com destino ao Brasil. Os policiais falaram ainda que já tinham informações sobre o dono da embarcação, mas não sobre os quatro presos. A polícia reafirmou já que o capitão Thomas e Guerra foram detidos na embarcação onde foi encontrada a droga e que os outros dois foram presos em uma pensão. No quarto em que se encontravam hospedados, segundo os policias, foi encontrada "uma certa quantidade de haxixe e de maconha".
As testemunhas:
No segundo dia de julgamento, também foram ouvidas testemunhas que foram até Cabo Verde depor em favor dos réus. O primeiro foi o pai do capitão do barco. Ele disse que foi convidado pelo filho a seguir viagem, mas que só não aceitou porque já tinha um outro compromisso.
O dono da escola náutica em Ilha Bela, em São Paulo, também foi ouvido e garantiu que teve contato com os três brasileiros, em momentos diferentes, apenas porque queriam obter habilitações para comandar grandes embarcações na única escola no Brasil autorizada a emitir certificado internacional.
A testemunha também reafirmou ter sido ele que passou para os velejadores o link do concurso da empresa "The Yacht Delivery Company" para recrutamento de tripulação. Pelo menos mais sete testemunhas brasileiras também serão ouvidas no julgamento.