Há dez anos, uma espessa camada de gelo recobria a geleira Collins na Ilha do Rei George, na Antártica. Agora, a rocha é visível a olho nu, em uma região que vítima e também laboratório das mudanças climáticas.
"Tive a oportunidade de vir aqui há 15 anos e, na escala de uma vida humana, já podemos constatar as mudanças produzidas pelo aquecimento climático", explica à AFP Marcelo Leppe, diretor do Instituto Chileno da Antártica (INACH).
"A geleira Collins mostra as rochas que não víamos há cinco ou dez anos, e isso é uma prova direta do recuo das geleiras e da perda de massa", acrescenta.
E enquanto essas geleiras derretem a olho nu, preocupando os cientistas do mundo inteiro, a presença na Antártica de plantas resistentes às condições extremas são uma razão de esperança.
Entre os vinte países que possuem bases científicas no continente gelado, o Chile instalou sua própria, a "Professor Julio Escudero", na Ilha do Rei George, onde dezenas de pesquisadores estão trabalhando para medir os efeitos dessas mudanças na flora e na fauna locais.
"Precisamos quantificar essa mudança para podermos prever o que vai acontecer num futuro próximo", ressalta Leppe.
Justamente, as medidas realizadas no ano passado pelos cientistas chilenos na ilha de Doumer mostraram que a temperatura da água atingiu 2,5 graus, enquanto deveria se situar entre 0 e 1,5. E a 40 metros de profundidade, ainda atingia 2 graus.
- Proliferação de algas -
Este aquecimento do mar está atraindo novas espécies, anteriormente desconhecidas na Antártica, como a aranha-do-mar, um caranguejo bastante comum nas águas do sul do Chile.
E também provoca uma proliferação de algas verdes, essenciais para o ecossistema local, especialmente para os crustáceos.
"As algas e as microalgas, embora muito pequenas, são muito importantes para o equilíbrio da cadeia alimentar", diz Nelson Valdivia, professor da faculdade de ciências da Universidade Austral.
"Elas fornecem nutrientes para o resto do ecossistema, e sabemos que a quantidade de espécies no mesmo ecossistema é muito importante para mantê-lo saudável", acrescenta.
Mas, em longo prazo, esse excesso de algas pode desbalancear o ecossistema e o grande medo é "perder espécies das quais nem sequer conhecemos a existência".
Os cientistas também temem o efeito dessas temperaturas mais amenas no resto do mundo: de acordo com as observações da NASA, entre 2002 e 2016, a Antártica perdeu 125 gigatoneladas de gelo por ano, causando um aumento no nível global do mar de 0,35 milímetros por ano.
A Antártica concentra 62% das reservas mundiais de água doce, o seu descongelamento não é insignificante e deve ajudar a dessalinizar os mares do globo, um mecanismo fatal para muitas espécies marinhas.
- Plantas resistentes -
Mas o continente branco também pode guardar a chave para uma melhor adaptação da flora e da fauna às novas temperaturas do planeta.
Uma vez que as plantas da Antártica, que são resistentes à radiação ultravioleta e condições climáticas extremas, são agora ferramentas de biotecnologia para o desenvolvimento de protetores solares, antioxidantes e açúcares naturais.
Para sobreviver, essas plantas acumulam açúcares para se alimentar durante os duros meses de inverno, sob a neve.
Em estufas em miniatura, Marisol Pizarro, doutora em biotecnologia da Universidade de Santiago do Chile, está estudando como as plantas antárticas respondem a um aumento artificial de 1 ou 2 graus Celsius.
Sua observação: os musgos são resistentes a essas novas condições, um recurso que poderia ser usado para outras plantas no futuro.
"Poderíamos transferir um gene ligado à tolerância à seca para uma planta comum como alface ou arroz, para dar a esta planta a capacidade de tolerar a seca", diz a pesquisadora.
"Como resultado, será menos afetada por condições adversas devido à diminuição da água em seu ambiente", explica.
Enquanto a Antártica é uma das regiões que mais se aquece no mundo, os cientistas estão correndo contra o relógio: os do Chile estão atualmente realizando cerca de 100 projetos, desde a genética dos pinguins até a atividade solar no ambiente polar, passando pela comparação de espécies de moluscos entre esta região e América do Sul.
* AFP